Comparação com outros animais mostra o que faz o cérebro humano único

*O artigo foi escrito por Rogier Mars, professor da Universidade de Oxford, e Katherine Bryant, da Universidade de Aix-Marselha, e publicado na plataforma The Conversation Brasil.

Há muito tempo os cientistas tentam entender o cérebro humano comparando-o com os de outros primatas. Os pesquisadores ainda estão tentando entender o que torna nosso cérebro tão diferente e único frente aos de nossos parentes animais mais próximos. Nosso estudo recente pode ter nos aproximado um pouco mais, adotando uma nova abordagem — comparando a maneira como os cérebros se conectam internamente.

O paleontólogo vitoriano Richard Owen argumentou incorretamente que o cérebro humano era o único cérebro que continha uma pequena área denominada “hipocampo menor” (Hippocampus minor). Ele alegou que isso o tornava único no reino animal e, segundo ele, o cérebro humano era, portanto, claramente não relacionado aos de outras espécies. Desde então, aprendemos muito sobre a organização e a função do nosso cérebro, mas ainda há muito a aprender.

A maioria dos estudos que compara o cérebro humano com o de outras espécies concentra-se em questões de tamanho. Pode ser o tamanho do cérebro, o tamanho do cérebro em relação ao corpo ou o tamanho de partes do cérebro em relação ao resto do corpo.

Entretanto, medidas de tamanho não nos dizem nada sobre a organização interna do cérebro. Por exemplo, embora o enorme cérebro de um elefante contenha três vezes mais neurônios do que o cérebro humano, eles estão localizados predominantemente no cerebelo, e não no neocórtex, que é comumente associado às habilidades cognitivas humanas.

Até recentemente, o estudo da organização interna do cérebro era um trabalho meticuloso. O advento das técnicas médicas de imagens, no entanto, abriu novas possibilidades para examinar o interior do cérebro de animais rapidamente, em grande detalhe e sem prejudicar o animal.

Utilizamos dados de ressonância magnética da substância branca, as fibras que conectam partes do córtex cerebral, disponíveis publicamente. A comunicação entre as células cerebrais ocorre ao longo dessas fibras. Isso custa energia e o cérebro dos mamíferos é, portanto, relativamente pouco conectado, concentrando as comunicações em algumas vias centrais.

As conexões de cada região do cérebro nos dizem muito sobre suas funções. O conjunto de conexões de qualquer região do cérebro é tão específico que as regiões do cérebro têm uma impressão digital de conectividade exclusiva.

Em nosso estudo, comparamos essas impressões digitais de conectividade no cérebro de humanos, chimpanzés (Pan troglodytes) e macacos-rhesus (Macaca mulatta). O chimpanzé é, junto com o bonobo, nosso parente animal existente mais próximo. Já os macacos-rhesus são os primatas não humanos mais conhecidos pela ciência. Comparar o cérebro humano com os de ambas espécies significava que poderíamos não apenas avaliar quais partes do nosso cérebro são exclusivas para nós, mas também quais partes provavelmente seriam herança compartilhada com nossos parentes não humanos.

Grande parte da pesquisa anterior sobre a singularidade do cérebro humano concentrou-se no córtex pré-frontal, um grupo de áreas na parte frontal do cérebro ligadas ao pensamento complexo e à tomada de decisões. De fato, descobrimos que aspectos do córtex pré-frontal tinham uma impressão digital de conectividade no ser humano que não conseguimos encontrar em outros animais, especialmente quando comparamos o ser humano com os macacos.

Ilustração mostra evolução do cérebro humano - Metrópoles
Um valor mais alto significa que os cérebros são mais diferentes

Mas as principais diferenças que encontramos não estavam no córtex pré-frontal. Elas estavam no lobo temporal, uma grande parte do córtex localizada aproximadamente atrás da orelha. No cérebro primata, essa área é dedicada ao processamento profundo de informações de nossos dois principais sentidos: visão e audição. Uma das descobertas mais dramáticas ocorreu na parte central do córtex temporal.

A característica que impulsionou essa distinção foi o fascículo arqueado (arcuate fasciculus), um trato de substância branca que conecta o córtex frontal e o córtex temporal e que é tradicionalmente associado ao processamento da linguagem em humanos. A maioria dos primatas, se não todos, tem um fascículo arqueado, mas ele é muito maior nos cérebros humanos.

No entanto, descobrimos que o foco apenas na linguagem pode ser muito restrito. As áreas cerebrais que estão conectadas por meio do fascículo arqueado também estão envolvidas em outras funções cognitivas, como a integração de informações sensoriais e o processamento de comportamentos sociais complexos. Nosso estudo foi o primeiro a descobrir que o fascículo arqueado está envolvido nessas funções. Esse insight ressalta a complexidade da evolução do cérebro humano, sugerindo que nossas habilidades cognitivas avançadas não surgiram de uma única mudança, como os cientistas pensavam, mas por meio de várias mudanças inter-relacionadas na conectividade cerebral.

Embora o fascículo arqueado temporal médio seja um elemento-chave no processamento da linguagem, também encontramos diferenças entre as espécies em uma região mais na parte posterior do córtex temporal. Essa área de junção temporoparietal é fundamental para o processamento de informações sobre os outros, como a compreensão das crenças e intenções dos outros, uma pedra angular da interação social humana.

Nos seres humanos, essa área do cérebro tem conexões muito mais extensas com outras partes do cérebro que processam informações visuais complexas, como expressões faciais e sinais de comportamento. Isso sugere que nosso cérebro está programado para lidar com um processamento social mais complexo do que o de nossos parentes primatas. Nosso cérebro está programado para ser social.

Essas descobertas desafiam a ideia de que um único evento evolutivo tenha impulsionado o surgimento da inteligência humana. Em vez disso, nosso estudo sugere que a evolução do cérebro ocorreu em etapas. Nossas descobertas sugerem que mudanças na organização do córtex frontal ocorreram nos macacos, seguidas por mudanças no córtex temporal na linhagem que levou aos humanos.

Richard Owen estava certo em uma coisa. Nossos cérebros são diferentes dos cérebros de outras espécies – até certo ponto. Temos um cérebro de primata, mas ele está programado para nos tornar ainda mais sociais do que outros primatas, permitindo que nos comuniquemos por meio da linguagem falada.The Conversation

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