“Engano sempre atinge corpos pretos”, diz ativista Preta Ferreira

São Paulo — Após o Ministério Público de São Paulo (MPSP) pedir para que uma denúncia por extorsão contra a cantora e ativista Preta Ferreira e mais 18 integrantes de movimentos sem-teto em São Paulo seja julgada improcedente, com a absolvição de todos os acusados, a artista afirmou ao Metrópoles que esse foi um convite para refletir sobre os impactos da violência que sofreu nos 108 dias em que ficou presa, em 2019.

“[Há] muitas memórias do que aconteceu, de como foi a violência, a turbulência. E de como é a devolutiva na hora de mostrar o erro. O engano que sempre atinge corpos pretos”, disse Preta Ferreira. “Acho que está sendo um momento para pensar em como a gente pode também combater esse tipo de injustiça dentro dos órgãos públicos.”

Preta, a sua mãe e ex-candidata a vereadora em São Paulo, Carmen Silva, e o irmão Sidney Ferreira — todos membros do Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC) — foram denunciados em 2019 por formação de um grupo que teria constrangido famílias que residiam em prédios ocupados a pagar quantias mensais para permanecer nesses imóveis. Um inquérito policial motivou a acusação, após o incêndio em maio de 2018 que levou à queda do edifício Wilton Paes de Almeida, o “pele de vidro”, no centro da capital, deixando sete mortos e dois desaparecidos.

3 imagens

Preta Ferreira

Sidney Ferreira
1 de 3

Carmen Silva

Reprodução/Instagram

2 de 3

Preta Ferreira

Reprodução/Instagram

3 de 3

Sidney Ferreira

Lucas Libertador

No pedido assinado na segunda-feira (24/3), o promotor Pedro Henrique da Silva Rosa alega que não há provas suficientes para comprovar a autoria dos crimes descritos na denúncia (veja mais detalhes abaixo). A Justiça ainda não analisou o pedido.

Em 24 de junho de 2019, o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) de São Paulo cumpriu mandados de prisão contra Preta e seu irmão Sidney. A artista ficou 108 dias encarcerada, e Sidney, 109. No tempo em que ficou detida, a artista fez um diário de prisão, posteriormente publicado em 2021 com o título “Minha carne”, pela editora Boitempo.

Em outubro do mesmo ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) concedeu ohabeas corpus para os irmãos Ferreira, para que pudessem responder ao caso em liberdade. Preta era defendida pelo advogado Augusto de Arruda Botelho, e Sidney por Amanda Regina.

“Não tem reparação, nada vai apagar o que eu vivi”, argumenta. “Mas acho que a reparação maior é a união do povo, do apoio que tive da sociedade, das pessoas que acreditaram na minha inocência, da minha mãe e do movimento.” A prisão de Preta mobilizou artistas, influencers e ativistas de vários movimentos sociais. Na época, não era raro ouvir gritos de “Preta livre” em apresentações musicais, teatrais e culturais na capital paulista.

“Não é sobre como eu estou me sentindo, e sim o que isso reverberou. Crescemos com essa prisão também. Foi uma prisão coletiva. Então, a liberdade também tem que ser coletivizada”, disse.

Procurado pela reportagem, Sidney Ferreira afirma que, após a decisão da Justiça, tem a intenção de procurar indenização por danos morais pelos meses que ficou detido. “Primeiro eles mandaram prender a gente, não procuraram investigar se a gente era inocente ou não. Agora pedem pra arquivar. E os meses que fiquei preso, como ficam?”, questionou.

Carmen Silva afirma que vai se pronunciar apenas após a decisão da Justiça sobre o pedido.

MPSP pede absolvição

No parecer, o promotor Pedro Henrique da Silva Rosa fala em “fragilidade probatória” como justificativa para a absolvição dos réus. “O quadro probatório é conflitante, sendo insuficiente para comprovar a existência de uma organização criminosa ou, ainda, que foram exigidos das vítimas vantagens econômicas em benefício dos acusados, visando enriquecimento ilícito”, escreveu o promotor.

Fala-se em “vantagens econômicas” porque a acusação é sobre a cobrança de mensalidades dos moradores. Em ocupações, lideranças dos movimentos sociais cobram taxas de manutenção do prédio — como acesso à água, energia e limpeza geral — dos integrantes que podem arcar com esses custos. No MSTC, por exemplo, que tem a Ocupação Nove de Julho como vitrine, a arrecadação mensal não passa dos R$ 30 por titular de cada espaço, e pessoas desempregadas não pagam.

De acordo com Pedro Henrique da Silva Rosa fala, “as contribuições e arrecadações eram necessárias para a manutenção do local, sendo que todas as despesas eram decididas e discutidas em assembleia por todos os moradores”.

Testemunhas ouvidas no inquérito confirmaram isso. “O pagamento de contribuição mensal era realizado de acordo com as condições de cada um, tendo em vista que, caso não pudessem arcar com a despesa, não sofreriam represálias ou expulsões”, destacou o promotor.

“É notório que, a despeito de todo o trabalho de apuração e investigação, não se conseguiu apurar, minimamente, indícios de envolvimento dos acusados no cometimento do crime de extorsão, pois em que pese ser fato incontroverso a cobrança de contribuições e a realização de rateios entre os moradores da ocupação, não restou comprovado que os moradores eram ameaçados ou agredidos em caso de não pagamento”, finaliza.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.