O Alagado do Piri: um elemento importante da história de Belém 

Durante cerca de duzentos anos, Belém teve apenas dois bairros.

Aquele que começou a surgir com o desembarque, em janeiro de 1616, da expedição comandada pelo capitão-mor Francisco Caldeira Castelo Branco – o da Cidade, atual Cidade Velha. E o de Campinas, surgido com o retorno dos franciscanos ao núcleo inicial da cidade, após Castelo Branco, com quem eles tinham se desentendido, ser expulso de Belém. 

Para se afastarem o máximo dele, os religiosos que tinham inicialmente se instalado nas proximidades do Fort do Presépio, mudaram para a Aldeia do Una, distante vinte quilômetros da fortificação.

Os dois bairros correspondiam a dois gradeados de ruas irregulares, abertas paulatinamente.

O bairro da Cidade foi se compondo à medida que a primeira rua de Belém, a do Norte – atual Siqueira Mendes – foi seguida da abertura de ruas paralelas e transversais.

O bairro da Campina começou a surgir quando foi aberta a Rua dos Mercadores, – atuais João Alfredo e Santo Antônio – na direção do primeiro bairro.

Depois, foram aparecendo também suas ruas paralelas e transversais.

Quem estuda a História da Amazônia sabe que o terreno ocupado pelos dois bairros era inapropriado para o já previsto crescimento da cidade.

E que, ainda nos anos de 1600, foram feitas tentativas de levar Belém para três outros lugares, onde estão Icoaraci, Joannes e Colares.

O forte, a obra inaugural de Belém, foi levantado num “fragmento de terraço”, apenas sete metros acima do nível das águas da Baía do Guajará.

Conspirava contra a expansão da cidade, a partir daquele terreno, sua baixa declividade.

Agravada por dois fenômenos naturais: o grande volume de água das chuvas, e, as enchentes da baía, à sua volta.

Para piorar tudo, havia, do outro lado do terreno onde estava o forte, uma imensa área pantanosa, o mitológico Alagado do Piri.

Para se ter uma ideia do que o Piri representava como entrave para o desenvolvimento da cidade, basta comparar os números daquele período.

Os dois bairros se estendiam por uma área com cerca de 1.500 metros de comprimento.

Enquanto o Piri media 660 metros de comprimento.

Mas, enquanto a largura da área dos dois bairros era de 750 metros, a do Piri era de 1.320 metros.

Grosso modo, portanto, o Piri tinha o dobro da largura dos dois bairros e a metade do comprimento deles.

Com a baía de um lado, e, o Piri de outro, não surpreende que Belém fosse vista pelos primeiros colonizadores como uma ilha.

Se ainda existisse, o alagado, ele se prolongaria desde o Ver-o-Peso até o Arsenal da Marinha, numa direção.

E, desde o Arsenal até a Igreja da Trindade, em outra direção.

O Piri, no entanto, poderia ter se transformado num benefício para Belém.

Se um plano de Gerard Gronsfeld tivesse obtido a aprovação da metrópole portuguesa.

Gronsfeld era um engenheiro alemão, companheiro de Antonio Giuseppe Landi, na Comissão de Demarcações de Limites, de Portugal.

Em 1777, ele propôs que os leitos dos cursos de água que alimentavam o Piri fossem aprofundados para que neles pudessem navegar embarcações úteis ao transporte tanto dos habitantes da cidade, como das mercadorias do seu comércio.

Gronsfeld queria transformar Belém numa nova Veneza.

Seu plano, contudo, foi recusado pelos técnicos da corte portuguesa.

Vinte e seis anos depois, o Piri recebeu um tratamento diametralmente oposto ao que Gronsfeld queria lhe proporcionar.

Seus cursos de água foram aterrados.

A realização desta obra gigantesca, em 1803, foi atribuída pelo Conde dos Arcos, governador do Estado, a dois capitães-engenheiros, João Rafael Nogueira e José Frazão.

Eles construíram sobre o pântano três longas e largas estradas, com cascalhos transportados da vizinhança.

Surgiram, assim, as estradas das Mongubeiras, de São José e de São Mateus.

Hoje, são, respectivamente, duas avenidas – Tamandaré e 16 de Novembro– e, uma rua, Padre Eutíquio.

Por mais de 20 anos aquelas estradas foram mantidas em condições de uso.

Depois, sem manutenção, se degradaram.

Em 1852, entretanto, começaram a ser empedradas e estacadas com acapu.

A construção das três vias sobre o Piri não foi a única grande obra de aterramento realizada em Belém, naquele período.

Antes dela, em 1799, já tinha sido aterrada uma ampla área da orla da baía para as construções da Praça do Relógio e do Largo Dom Pedro II, em frente ao Palácio dos Governadores – atual Palácio Lauro Sodré.

Depois do aterramento do Piri, surgiu, na virada nos anos de 1800 para 1900, o cais de Belém, quando, também, sobre as águas da orla da baía foi construída a atual Avenida Boulevard Castilho França.

O belo Forte de São Nolasco, em forma de coração, que ficava dentro da baía, foi, naquela ocasião, cortado e soterrado.

Suas ruínas reapareceram somente há duas décadas, com a recuperação de parte do antigo cais de Belém.

Sobre as bases das paredes do Forte São Nolasco foram colocados trilhos, no setor da Estação das Docas mais próximo da Praça dos Pescadores.

Onde, há um teatro a céu aberto.

  • Oswaldo Coimbra é escritor e jornalista

Tradução (Translation)

The Piri Swamp: an important element in the history of Belém

For about two hundred years, Belém had only two neighborhoods.

The first one began to emerge with the landing, in January 1616, of the expedition commanded by Captain-General Francisco Caldeira Castelo Branco—the Cidade neighborhood, now known as Cidade Velha. The other was Campina, which arose when the Franciscans returned to the city’s original settlement after Castelo Branco, with whom they had disagreed, was expelled from Belém.

To stay as far away from him as possible, the religious men, who had initially settled near the Fort of the Nativity (Forte do Presépio), moved to the Aldeia do Una, twenty kilometers from the fortification.

The two neighborhoods consisted of two grids of irregular streets, gradually opened.

The Cidade neighborhood took shape as Belém’s first street, Rua do Norte—now Siqueira Mendes—was followed by the opening of parallel and transversal streets.

The Campina neighborhood began to emerge when Rua dos Mercadores—now João Alfredo and Santo Antônio—was opened in the direction of the first neighborhood.

Later, its parallel and transversal streets also appeared.

Anyone who studies Amazonian history knows that the land occupied by these two neighborhoods was unsuitable for the anticipated growth of the city.

And that, even in the 1600s, there were attempts to relocate Belém to three other locations: Icoaraci, Joanes, and Colares.

The fort, Belém’s inaugural structure, was built on a “terrace fragment” just seven meters above the waters of Guajará Bay.

The city’s expansion from that land was hindered by its low elevation.

This was aggravated by two natural phenomena: the heavy rainfall and the flooding of the surrounding bay.

To make matters worse, on the other side of the fort’s land, there was a vast swampy area—the mythological Alagado do Piri.

To understand the Piri’s impact as an obstacle to the city’s development, one only needs to compare the numbers of that period.

The two neighborhoods covered an area about 1,500 meters long.

Meanwhile, the Piri was 660 meters long.

But while the two neighborhoods’ width was 750 meters, the Piri was 1,320 meters wide.

Roughly speaking, the Piri was twice the width of the two neighborhoods and half their length.

With the bay on one side and the Piri on the other, it is no surprise that the first colonizers saw Belém as an island.

If it still existed, the swamp would stretch from Ver-o-Peso to the Arsenal da Marinha in one direction.

And from the Arsenal to the Igreja da Trindade in another.

However, the Piri could have been turned into a benefit for Belém.

If a plan by Gerard Gronsfeld had been approved by the Portuguese metropolis.

Gronsfeld was a German engineer and a companion of Antonio Giuseppe Landi in Portugal’s Boundary Demarcation Commission.

In 1777, he proposed deepening the watercourses feeding the Piri so that vessels useful for both the city’s inhabitants and trade could navigate through them.

Gronsfeld wanted to transform Belém into a new Venice.

However, his plan was rejected by the Portuguese court’s experts.

Twenty-six years later, the Piri underwent the exact opposite treatment of what Gronsfeld envisioned.

Its watercourses were filled in.

The execution of this massive project in 1803 was attributed by the governor, Conde dos Arcos, to two engineer captains: João Rafael Nogueira and José Frazão.

They built three long and wide roads over the swamp, using gravel transported from nearby areas.

Thus, the roads of Mongubeiras, São José, and São Mateus were created.

Today, these are two avenues—Tamandaré and 16 de Novembro—and one street, Padre Eutíquio.

For over 20 years, these roads were maintained in usable condition.

Later, without maintenance, they deteriorated.

In 1852, however, they began to be paved and reinforced with acapu wood.

The construction of these three roads over the Piri was not the only major land reclamation project in Belém at that time.

Before that, in 1799, a large area of the bay’s shoreline had already been filled in for the construction of Praça do Relógio and Largo Dom Pedro II, in front of the Palácio dos Governadores—now Palácio Lauro Sodré.

After the Piri was filled in, at the turn of the 19th to the 20th century, Belém’s dock emerged.

At the same time, over the waters of the bay’s shoreline, the current Boulevard Castilho França was built.

The beautiful Fort of São Nolasco, heart-shaped and once located in the bay, was cut down and buried during that period.

Its ruins only resurfaced two decades ago, with the restoration of part of Belém’s old dock.

On the foundations of the São Nolasco Fort walls, railway tracks were placed in the section of Estação das Docas closest to Praça dos Pescadores.

Where there is now an open-air theater.

Oswaldo Coimbra is a writer and journalist.

A graphic representation of the Alagado do Piri, created without precise measurement of its exact size.

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