“Com tarifaço de Trump, recessão nos EUA é inevitável”, diz economista

Os mercados globais entraram em pânico na sexta-feira (4/4). O dólar disparou e viu-se uma debacle generalizada nas Bolsas. Qual o motivo dos solavancos? O início de uma guerra comercial de alcance global. Ela já vinha sendo gestada desde a posse do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em 20 de janeiro. Consolidou-se na quinta-feira (3/4), quando o republicano impôs novas tarifas para cerca de 180 países.

A alíquota da China, por exemplo, ficou em 34% (mais 20% que Trump havia anunciado anteriormente). Como resposta, no dia seguinte, sexta-feira (4 /4), os chineses sobretaxaram os produtos americanos em 34%. Ou seja, a guerra começou. E qual a consequência desse embate? “Uma recessão nos Estados Unidos já é inevitável”, diz Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados. E por quê? É o que ele explica, a seguir, em entrevista ao Metrópoles.

Quais as consequências para o mundo do tarifaço anunciado por Trump?

Ficou muito fácil acontecer uma recessão nos Estados Unidos. O PIB (Produto Interno Bruto, a soma de todos os bens e serviços finais produzidos por um país) é calculado com o consumo, mais o investimento, mais a exportação, menos a importação. No começo deste ano, a importação explodiu nos EUA, porque as empresas estavam se preparando para as tarifas de Trump. Isso vai fazer com que o PIB do primeiro trimestre caia. Agora, no início do segundo trimestre, vai acontecer o choque das novas tarifas, já confirmadas. E ele está causando toda essa preocupação nos mercados, porque vai afetar o investimento e o consumo.

Vai afetar como?

Com as tarifas, os produtos vão ficar mais caros. A inflação vai subir e o poder de compra vai diminuir. A tendência de as pessoas retraírem o consumo é muito grande. Então, o PIB do primeiro trimestre muito provavelmente vai cair. No segundo, com o início do choque, também. Com dois trimestres de queda do produto, temos tecnicamente uma recessão. E isso pode ocorrer em mais de dois trimestres. Temos de ver até onde Trump vai.

Até onde o senhor acha que ele vai?

Acredito que ele vai continuar. Muita gente fala que Trump está blefando. Não acho. Ele aumentou as tarifas no primeiro governo e essa elevação foi menor do que ele queria. Agora, dá sinais que vai mais longe. Ainda existe a agravante de que o mundo está sem paciência com o presidente dos EUA. A China respondeu, o Canadá respondeu, a Europa vai responder. Estamos realmente entrando numa guerra tarifária e isso é recessivo.

Por que é recessivo?

Porque joga o mundo inteiro num processo de desaceleração econômica.

Qual é o tamanho do choque que a economia global vai sofrer com o tarifaço. É possível compará-lo a outros períodos?

É um choque comercial histórico. O grau de incerteza que a economia mundial atingiu é similar ao observado no início da pandemia, em 2020. Mas naquela época surgiram saídas que levaram a economia a se recuperar logo. Aqui, não tem isso.

O que pode ser feito para ao menos atenuar esse provável tombo da economia?

Agora, no máximo, o que vamos ver é algum corte de juros por parte do Federal Reserve (Fed, o banco central americano). O mercado já está prevendo essas quedas, como uma forma de o Fed conter essa expectativa recessiva. O problema é que o Fed não pode baixar demais os juros porque tem de ficar de olho na inflação americana, que vai subir.

Quanto a inflação deve subir nos EUA?

Deve ir para pelo menos 3,5%. No pico, pode chegar a 4%. Hoje, estão em torno de 2,5% ou 3%, dependendo do indicador observado. E a meta do Fed é de 2%. Ou seja, temos uma economia em recessão e uma inflação em alta. É uma estagflação.

Então, são grandes as chances de recessão nos EUA.

A recessão americana já é inevitável.

E pode haver uma recessão global?

Vários países podem seguir esse caminho, mas não dá para dizer que tenhamos uma recessão global, que ela já seja clara e evidente no mundo. O que deve ocorrer é uma desaceleração econômica global. Isso, sim, é muito claro.

E quais são as consequências para o Brasil desse cenário?

A queda dos juros nos EUA é sempre uma boa notícia para nós, mas não neste contexto. Assim, o Brasil, como o mundo inteiro, vai sofrer. Não tem ganhos de curto prazo para ninguém. Exportações e importações de todos os países vão sofrer com intensidade nesse primeiro momento. E não há o que fazer.

Os juros devem cair também no Brasil?

O Banco Central (BC) deve chegar a juros mais baixos do que se imaginava. No fim do ciclo de elevação da taxa no Brasil, a Selic pode ficar em 14,75% (hoje está em 14,25%). Antes das tarifas, o mercado previa cerca de 15%. Eu estava com 15,25%. Ou seja, aqui os juros também podem ficar menores, mas isso não alivia. Eles vão continuar sendo muito altos.

E quais as consequências da guerra tarifária para o Brasil no médio ou longo prazo?

Nesse caso, há uma tendência positiva. Vamos nos aproximar mais de outros países. A gente perde com os Estados Unidos, mas pode ganhar com a China, a Europa, o Japão e o Sudeste Asiático como um todo.

A tendência é de que esses mercados também se afastem dos EUA?

Sim, porque a questão americana não se resume à tarifa. Há toda uma implicação de perda de confiança nos americanos. Isso vai estar muito presente a partir de agora. As empresas também vão ter que repensar investimentos. O Brasil também pode se beneficiar por causa das commodities, em frentes como agropecuária, mineração, petróleo, metais raros e energia renovável. Enfim, temos uma quantidade grande de ativos. Isso nos torna atraentes.

Quais os setores da indústria brasileira que mais podem se beneficiar nesse quadro? 

É o agro. Ele é o grande competidor do mercado americano. A tendência é aumentar a exportação, enviando mais produtos para os chineses. Podemos abrir novos mercados agrícolas também na Europa. Já estamos fazendo isso com carnes no Japão, no Vietnã.

Algum produto agrícola brasileiro pode ser mais prejudicado?

Talvez, algum setor como o de suco de laranja, que exporta para os EUA, mas muito pouco. No agregado, o impacto deve ser positivo.

E quem perde nas exportações brasileiras?

O setor industrial em geral, que tem um comércio maior com os americanos.

O senhor falou em recessão nos EUA e desaceleração global. O Brasil corre o risco de entrar em recessão com esse problemas?

Não. O Brasil vai sofrer, mas não tanto. Não tem um cenário recessivo por conta desse problema das tarifas. Nossas questões dizem respeito a entraves domésticos como os juros altos e os desafios fiscais. Além disso, não teremos queda do PIB no primeiro trimestre. Ele vai ser forte por conta da produção de soja. No segundo trimestre, a gente precisa ver, mas o agro tende a segurar também. A desaceleração pode acontecer, mas só no segundo semestre.

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