Empresas vão à Justiça para tentar manter benefícios do Perse

Empresas correm para se organizar com o fim do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), criado em 2021 para compensar os efeitos da Covid-19, encerrado em 1º de abril depois de estourar o limite de recursos disponíveis.

Economistas ouvidos pelo Metrópoles acreditam que o encerramento antecipado do Perse, após o programa atingir o teto de R$ 15 bilhões no fim de março, pode provocar “uma nova onda de judicialização” das empresas.

Para não perder os efeitos da isenção das alíquotas dos impostos federais, alguns contribuintes sob o regime do Perse entraram com ações judiciais na tentativa de preservar os benefícios fiscais até o prazo previsto em lei.


Entenda

  • O Ministério da Fazenda propôs acabar com o Perse, criado em 2021 para socorrer o setor de eventos em meio à pandemia, sob a justificativa de que as renúncias fiscais não mais se justificam.
  • A Receita Federal comunicou que o orçamento destinado ao Perse acabaria no final do mês de março. A própria lei prevê que o benefício será encerrado após o programa atingir o teto de R$ 15 bilhões.
  • A decisão gerou revolta no setor de comércio e eventos, que se disse surpreendido com o anúncio.
  • O grupo sustenta que um fim abrupto em abril poderia impactar no aumento do desemprego e da inflação.
  • O setor de comércio e eventos argumenta que é o principal gerador de empregos no Brasil e que a renúncia fiscal permite que o país arrecade mais por outros meios.

O especialista em direito tributário Henrique Morum avalia que os impactos práticos com o fim antecipado do Perse podem acarretar no risco de cobrança dos tributos não recolhidos, as correções de juros e multa podem chegar até 150% do valor do tributo.

Ele ainda alerta para a possibilidade de “uma nova onda de judicialização”, com base em uma eventual violação do artigo 178 do Código Tributário Nacional — que trata da isenção que pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer momento —, de argumentos relacionados à segurança jurídica e aos princípios da anterioridade tributária, além da proteção à confiança.

Mesmo que o governo federal indique que os contribuintes beneficiados tenham se recuperado desde a pandemia da coronavírus, Morum acredita que “os dados econômicos que fundamentaram a instituição do Perse nos moldes atuais estimavam a necessidade de manutenção do benefício até meados de 2027”.

Para o advogado tributarista, o ponto de atenção é que a lei previa um prazo de vigência de 60 meses, “o que gerou nos contribuintes a legítima expectativa de sua utilização até o fim do prazo legal”.

O especialista em direito tributário Leonardo Roesler reforça que “as empresas beneficiadas pelo programa não podem ser acusadas, em termos objetivos, de terem gastado além do que deveriam”.

“Muitas utilizaram os recursos economizados com a carga tributária reduzida para saldar dívidas acumuladas durante a pandemia, reestruturar suas operações e manter empregos”, completa.

De acordo com ele, a crítica em torno do suposto abuso do benefício “ignora a função social e econômica do Perse”,  de permitir um fôlego financeiro. “A interrupção repentina da política pública compromete, portanto, os planos de recuperação construídos com base em uma legítima expectativa de estabilidade normativa”, frisa Roesler.

Na análise de Roesler, o fim antecipado do programa pode impactar na manutenção de empregos e na capacidade operacional das empresas, em especial de pequeno e médio porte, que, ainda segundo ele, “não retomaram integralmente seus níveis pré-pandemia”.

Ele destaca que a reoneração “abrupta da carga tributária” deve implicar no aumento de custos imediatos e pode gerar certo desequilíbrio financeiro em estruturas empresariais fragilizadas.

Os contribuintes que não se adequarem, conforme Roesler, estarão sujeitos:

  • a autuações fiscais;
  • à aplicação de multas;
  • à restrição ao crédito; e
  • à inviabilidade econômica das próprias atividades.

Na mesma linha de Morum, o tributarista entende que a possibilidade de judicialização é “crescente”.

“Algumas empresas já ingressaram com ações judiciais, amparadas nos princípios da segurança jurídica, da boa-fé e da proteção à confiança, buscando preservar os benefícios fiscais até o prazo originalmente previsto em lei. O Poder Judiciário, inclusive, já concedeu decisões liminares prorrogando os efeitos do programa com base nesse fundamento”, lembra.

Governo não discute volta do Perse

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que uma eventual prorrogação do Perse não está em discussão. A informação foi repassada a jornalistas após reunião com parlamentares no fim de março.

“Ninguém mais está discutindo e nem pretende rediscutir o acordo que foi firmado na casa do então presidente da Câmara, na Residência Oficial do presidente da Câmara, que era o Arthur Lira”, disse Haddad.

Segundo o titular da Fazenda, foi firmado um acordo para que seja feita uma checagem final no programa com dados até março deste ano. Ele destacou que, caso as projeções sejam confirmadas, não haverá nada a fazer.

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Fernando Haddad, ministro da Fazenda

Agosto de 2023 - Governo implementa a taxação do Imposto de Importação (20%) para todas as compras internacionais, incluindo as abaixo de US$ 50, após pressão do varejo nacional
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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad

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Fernando Haddad, ministro da Fazenda

Diogo Zacarias/MF

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Agosto de 2023 – Governo implementa a taxação do Imposto de Importação (20%) para todas as compras internacionais, incluindo as abaixo de US$ 50, após pressão do varejo nacional

BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto

“Nós encerramos a discussão com esse pacto. Não reabri discussão sobre valor em hipótese nenhuma. O acordo foi feito, o valor é R$ 15 bilhões. No nosso entendimento, ele já foi superado. Pediram uma checagem, uma auditagem. Isso eu penso que é um dever do poder público, expor os números, auditá-los e consagrar o acordo publicamente”, declarou.

Por outro lado, se faltar valores adicionais, os parlamentares serão chamados para verificar administrativamente como será contemplada essa diferença para chegar até a cifra pactuada.

Isso ocorre porque as informações prestadas pelas empresas vão apenas até janeiro. As projeções indicam que os recursos usados até março devem superar os R$ 15 bilhões, chegando a R$ 16 bilhões.

Haddad completou: “Ninguém está propondo rediscussão, reabertura do Perse, nada disso. O que foi pactuado foi a auditoria dos números depois das informações prestadas pelas empresas. Não há outra coisa a não ser essa auditagem”.

O Perse

Inicialmente, o Perse implementou a isenção das alíquotas dos impostos federais sobre empresas do setor de eventos por cinco anos (de 2021 até dezembro de 2026), visando mitigar as perdas do setor em função da Covid-19.

A legislação que criou o programa zerou as alíquotas dos seguintes tributos:

  • Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Contribuição PIS/Pasep);
  • Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins);
  • Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); e
  • Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ).

Figuravam entre os beneficiários integrantes do setor de eventos as empresas, inclusive entidades sem fins lucrativos.

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