Política tarifária de Trump: de loucura à estratégia para frear a China

Quando Donald Trump anunciou, em abril de 2025, um aumento drástico nas tarifas sobre importações, com alíquotas chegando a 125% sobre produtos chineses, o mundo reagiu com perplexidade. Líderes globais, de Pequim a Bruxelas, classificaram a medida como uma ameaça à globalização, prevendo caos econômico, inflação galopante e recessão. No entanto, semanas depois, uma análise mais fria revela que a estratégia tarifária de Trump, embora controversa, começa a ser vista como um movimento calculado para conter o avanço comercial da China, atacar sua logística e minar o ambicioso projeto da Nova Rota da Seda, que poderia consolidar Pequim como potência hegemônica global.

O Alvo Principal: A Ascensão Chinesa

A China, maior nação manufatureira do mundo, construiu nas últimas décadas um império industrial que domina cadeias de suprimentos globais. Em 2024, o país registrou um superávit comercial de quase US$ 1 trilhão, com exportações de US$ 3,5 trilhões contra importações de US$ 2,5 trilhões. Esse poder econômico, aliado ao projeto da Nova Rota da Seda — uma rede de infraestrutura que conecta Ásia, Europa e África —, posicionava a China como uma ameaça direta à hegemonia comercial dos Estados Unidos.

As tarifas de Trump, inicialmente vistas como um ato impulsivo, agora são interpretadas como uma ofensiva para desestabilizar essa máquina econômica. Ao elevar os custos de produtos chineses no mercado americano, que absorve cerca de 14% das exportações da China, Trump força Pequim a redirecionar seus bens para outros mercados, como América Latina e Europa. Isso, porém, sobrecarrega as cadeias logísticas chinesas, já tensionadas pela necessidade de manter preços competitivos.

Peter Navarro, conselheiro comercial de Trump, reforçou essa visão ao sugerir que países como Vietnã, Camboja e México poderiam ser pressionados a limitar relações comerciais com a China para manter acesso ao mercado americano. “Tudo o que queremos é justiça”, declarou Navarro, apontando para práticas como subsídios estatais e dumping, que sustentam a competitividade chinesa.

Sabotando a Nova Rota da Seda

A Nova Rota da Seda, lançada por Xi Jinping em 2013, é mais do que um projeto de infraestrutura: é uma aposta para consolidar a influência chinesa global. Portos, ferrovias e rodovias financiados por Pequim conectam mais de 140 países, facilitando o fluxo de bens chineses e garantindo acesso a matérias-primas. Trump, ao mirar a logística chinesa, busca fragilizar essa rede.

As tarifas não apenas encarecem as exportações chinesas, mas também incentivam empresas globais a diversificar suas cadeias de suprimentos, reduzindo a dependência da China. Grandes marcas como Nike, Adidas e até a Apple, que já haviam transferido parte de sua produção para países como Vietnã e Camboja para escapar de tarifas anteriores, agora enfrentam novas taxas “recíprocas” nesses países. A mensagem é clara: ninguém escapa da pressão americana para isolar economicamente a China.

Analistas apontam que o objetivo de Trump é fragmentar a produção global, pulverizando-a em nações com mão de obra barata, mas sem capacidade de dominar o mercado como a China faz. “Dividir para conquistar parece ser o plano”, avalia um economista da FGV. Vietnã, Camboja, Indonésia e até o Brasil emergem como alternativas, mas nenhum desses países tem a escala ou a infraestrutura para substituir a China a curto prazo.

Política Tarifária de Trump: De Loucura a Estratégia para Frear a China
Donald Trump. Créditos: depositphotos.com / Tennessee.

Descompasso na Economia Chinesa

Os efeitos das tarifas já são sentidos em Pequim. Embora Xi Jinping insista na resiliência da economia chinesa — “um oceano, não um pequeno lago”, segundo suas palavras —, dados mostram sinais de descompasso. O consumo interno, que representa apenas 29% da atividade econômica, permanece fraco devido à crise imobiliária e ao desemprego jovem. As exportações, motor do crescimento chinês, enfrentam barreiras crescentes não só nos EUA, mas também na União Europeia, que negocia medidas antidumping contra carros chineses.

Empresas chinesas, antecipando tensões, adotaram a estratégia “China+1”, instalando fábricas em países como Vietnã e Mianmar. No entanto, as tarifas de Trump sobre esses países dificultam a burla às taxas, forçando ajustes caros e demorados. “O Vietnã é o segredo aqui. Se as tarifas o atingirem, será muito difícil para a China”, observa Alicia Garcia-Herrero, analista econômica.

O Mundo Reavalia Trump

O que parecia loucura no início de 2025 agora é visto por alguns como uma jogada arriscada, mas coerente. A guerra tarifária de Trump não busca apenas proteger a indústria americana, mas reconfigurar o comércio global, impedindo que a China alcance um domínio hegemônico. Países como o Brasil, que inicialmente temiam os impactos das tarifas, agora enxergam oportunidades. Com custos logísticos favoráveis e proximidade dos EUA, o Nordeste brasileiro, por exemplo, atrai o interesse de empresas como a Apple, que avalia instalar fábricas na região.

Críticas, porém, persistem. Roberto Azevêdo, ex-diretor da OMC, alerta que as tarifas podem elevar a inflação global e desacelerar o crescimento, afetando até os EUA. “A inflação vai pegar todo mundo”, diz ele. Ainda assim, o recuo de Trump ao reduzir tarifas para alguns países, mantendo a pressão sobre a China, sugere uma estratégia mais flexível do que se imaginava.

O Próximo Passo

O plano de Trump parece estar apenas começando. Além de atacar a logística chinesa, a próxima etapa pode envolver restrições ainda mais severas a tecnologias estratégicas, como chips avançados, que já preocupam Pequim mais do que as próprias tarifas. Ao forçar a descentralização da produção global, Trump aposta em um mundo onde nenhum país — especialmente a China — detenha o controle absoluto do comércio.

Se o presidente americano conseguirá ou não reescrever as regras da economia global ainda é incerto. Por enquanto, o que fica evidente é que, longe de ser um ato impulsivo, sua política tarifária carrega um objetivo claro: frear a China, custe o que custar. O mundo, aos poucos, começa a entender — e, para alguns, até a aceitar — essa nova realidade.

Por Júnior Melo

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