Estudantes que debocharam de paciente se manifestam em vídeo. Veja

São Paulo — Gabrielli Farias de Souza e Thaís Caldeira Soares Foffano se manifestaram, por meio de um vídeo divulgado neste domingo (13/4), sobre a acusação de terem debochado de uma paciente transplantada, no Incor do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

No vídeo obtido pelo Metrópoles, Thaís Foffano (do lado esquerdo) e Gabrielli de Souza (Lado direito) aprecem uma ao lado da outra. Thaís diz na gravação que as alunas nem sabiam o nome completo da paciente de 26 anos, Vitória Chaves da Silva. Ela ainda completa dizendo que as estudantes não tiveram acesso e nem divulgaram nenhuma imagem relacionada à transplantada.

Veja:

Gabrielli afirma no posicionamento que a única intenção do vídeo, que viralizou no Tiktok, era “demonstrar a surpresa por um caso clínico raro que tomamos conhecimento dentro de um ambiente de prática e aprendizagem médica”.

Ambas as estudantes lamentaram a morte de Vitória, dizendo a família da vítima que sentem muito pela perda.

O conteúdo do posicionamento já havia sido divulgado via uma nota veiculada pela equipe de advogados das estudantes anteriormente. No documento, as alunas também negaram “qualquer deboche ou insensibilidade”. “Nosso compromisso com a vida, a dignidade humana e os princípios éticos da medicina permanece inabalável”, ressaltaram.

Além disso, afirmaram que a raridade da situação despertou a “curiosidade acadêmica” e as fez refletir sobre aspectos técnicos inéditos, proporcionados pela condição clínica de Vitória.

Investigação do caso

A Polícia Civil instaurou um inquérito policial para investigar o caso como injúria. A pena para o crime varia entre seis meses e um ano de detenção, mas não prática não resulta em cumprimento da condenação no regime fechado.

O delegado Marco Antônio Bernardo, titular do 14º DP (Pinheiros) explicou que, ao concluir o inquérito, irá encaminhá-lo ao Ministério Público de São Paulo (MPSP). “Imagino que o MPSP não irá oferecer denúncia contra as estudantes, porque elas não são criminosas, mesmo com o erro que cometeram [de expor a paciente]”.

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Foto de Vitória pouco antes de seu primeiro transplante, aos 6 anos

Foto tirada em 2016, após o segundo transplante de coração de Vitória
Mãe e filha no Instituto do Coração de São Paulo
Vitória aguarda pelo terceiro transplante de coração
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Foto tirada logo após o primeiro transplante de Vitória, quando ela tinha 6 anos

Arquivo Pessoal

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Foto de Vitória pouco antes de seu primeiro transplante, aos 6 anos

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Foto tirada em 2016, após o segundo transplante de coração de Vitória

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Mãe e filha no Instituto do Coração de São Paulo

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Vitória aguarda pelo terceiro transplante de coração

Arquivo Pessoal

Ao invés disso, ele explicou que a Promotoria provavelmente irá, no lugar da denúncia, indicar para que o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) abra um ação penal privada. Com isso, Cláudia Aparecida da Rocha Chaves, mãe de Vitória, poderá formalizar uma queixa-crime, por meio de um advogado, para dar andamento ao processo contra as estudantes na esfera criminal.

“Com certeza, quero que essa queixa-crime seja apresentada”, afirmou Cláudia ao Metrópoles. Ela constituiu com um advogado na última quinta-feira (10/4). Eduardo Lemos Barbosa, especializado em defender vítimas em casos de danos, afirmou à reportagem que o vídeo postado pelas estudantes “agrediu a moral” e maculou toda a trajetória de vida de Vitória e da família dela.

“Foi desmerecida a luta de Vitória, em razão do vídeo, que é mentiroso. As afirmações [das estudantes] não condizem com a vida dela [Vitória], nem com a realidade médica enfrentada. O vídeo é desabonador”.

Ele acrescentou que estuda o caso e que irá tomar todas as medidas, nas áreas criminal e cível, para garantir o reestabelecimento na vida de Cláudia e sua família.

Deboche de alunas de medicina

O caso envolvendo as estudantes de medicina veio à tona após o vídeo postado por uma delas viralizar e chegar à família da paciente. Na gravação, apesar de não falarem o nome da jovem, as estudantes Gabrielli Farias de Souza e Thaís Caldeiras Soares Foffano mencionam os três transplantes cardíacos e indicam quando os procedimentos foram feitos – na infância, na adolescência e no início da maioridade, o que coincide com o quadro de Vitória.

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Vídeo foi tirado do ar

Alunas expuseram caso de paciente
Estudantes mencionam informações inverídicas, segundo família de paciente
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Uma das alunas chega a zombar da quantidade de transplantes aos quais Vitória foi submetida

Reprodução/TikTok

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Vídeo foi tirado do ar

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Alunas expuseram caso de paciente

Reprodução/TikTok

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Estudantes mencionam informações inverídicas, segundo família de paciente

Reprodução/TikTok

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Reprodução/TikTok/Arquivo Pessoal

As estudantes comentam, no vídeo, que a paciente não havia tomado os remédios corretamente, razão pela qual teria sido submetida à sucessão de transplantes. Em certo momento, Thais afirma: “Essa menina está achando que tem sete vidas”.

Veja o vídeo:

A postagem, feita em 17 de fevereiro, foi visualizada por pouco mais de 212 mil pessoas. A repercussão do caso fez com que o vídeo fosse tirado do ar na última terça-feira (8/4).

“Um transplante cardíaco já é burocrático, já é raro, tem a questão da fila de espera, da compatibilidade, mil questões envolvidas… Agora, uma pessoa passar por um transplante três vezes, isso é real e aconteceu aqui no Incor e essa paciente está internada aqui”, afirma Thaís no vídeo.

Na postagem, Thaís ainda comenta que ela e a colega iriam se encontrar com Vitória em seguida. “A gente vai subir lá em cima [sic] e tentar conversar com essa paciente transplantada por três vezes.”

Antes do encontro, Gabrielli dá detalhes dos procedimentos aos quais Vitória foi submetida. “A segunda vez ela transplantou e não tomou os remédios que deveria tomar, o corpo rejeitou [o órgão] e teve que transplantar de novo, por um erro dela [Vitória]. Agora ela transplantou de novo, [o corpo] aceitou, mas o rim não lidou bem com as medicações.” É nesse momento que Thaís afirma que a paciente “acha que tem sete vidas”.

Vitória morreu 11 dias depois do vídeo, devido a um choque séptico e à insuficiência renal crônica.

Família contesta declarações

Cláudia, mãe de Vitória, contestou as declarações das estudantes. “O que elas dizem é inverídico e temos provas de tudo, de que ela [Vitória] seguia o tratamento à risca”, diz a mãe.

“A gente sempre acompanhou a Vitória. A gente sabia o quanto ela lutava para viver, né? Tanto é que tem um monte de ofício na promotoria de a gente pedindo ajuda com medicação, com passagem para vir no tratamento. Ela nunca faltou a uma consulta sequer, né? E minha filha tinha sede de vida. Tudo o que ela queria era viver. Aí vem uma pessoa e diminui a história dela, eu não aceito, quero Justiça”, desabafou Cláudia.

Após o episódio, a mãe registrou um boletim de ocorrência (B.O.) e acionou o MPSP

O que dizem as instituições

Em nota encaminhada à reportagem, o Incor afirmou não divulgar dados de pacientes. A instituição afirmou, ainda, repudiar “veementemente” atitudes que violem os princípios da ética e confidencialidade. O instituto acrescentou que apura “rigorosamente o caso mencionado”, ressaltando que “adotará todas as medidas cabíveis”.

Procurada, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) disse que as alunas atualmente não têm qualquer vínculo acadêmico com a universidade ou com o Incor. As estudantes estavam no hospital em função de um curso de extensão de curta duração (um mês). “Assim que foi tomado conhecimento do fato, as universidades de origem das estudantes foram notificadas para que possam tomar as providências cabíveis”, diz nota.

“Internamente, a USP está tomando medidas adicionais para reforçar junto aos participantes de cursos de extensão as orientações formais sobre conduta ética e uso responsável das redes sociais, além da assinatura de um termo de compromisso com os princípios de respeito aos pacientes e aos valores que regem a atuação da instituição”, completa o texto.

As faculdades onde Gabrielli e Thaís estudam, Anhembi Morumbi e Faseh respectivamente, emitiram uma nota em conjunto nesta quarta-feira (9/4). O posicionamento diz que o acontecido não condiz com os princípios e valores das instituições de ensino, “tampouco com o compromisso de uma formação médica, ética e humanizada “.

As unidades lamentaram o ocorrido e se solidarizaram com a família de Vitoria, morta nove dias após a publicação do vídeo por parte das estudantes.

Ambas as instituições afirmam terem adotado, “com máxima urgência”, as medidas cabíveis para apurar o caso, seguindo o regimento interno. O Metrópoles questionou se as estudantes continuam matriculadas nas respectivas faculdades, porém não obteve retorno até o momento desta publicação. Espaço segue aberto.

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