Trump contra o mundo (Por Hubert Alquéres)

Na leitura mais otimista, as medidas protecionistas de Donald Trump tomadas contra o México, Canadá e China – responsáveis por 43% das importações americanas – criam enorme instabilidade e imprevisibilidade no comércio mundial. Na mais preocupante colocam o mundo diante do risco iminente de uma guerra comercial global. O fato do presidente dos Estados Unidos ter suspendido por um mês as medidas contra os dois países com os quais tem imensas fronteiras, não afasta o risco da generalização do conflito comercial, com Trump indo contra tudo e contra todos.  Seu próximo alvo é a União Europeia.

As relações comerciais entre países se baseiam no princípio da reciprocidade. Tal princípio norteou a reação da China, ao também estabelecer tarifas para alguns produtos importados dos Estados Unidos. A União Europeia promete fazer o mesmo, caso Trump cumpra sua ameaça de, nas próximas semanas, impor tarifas às exportações do bloco para os Estados Unidos. Se o conflito se generalizar, estaremos diante de uma nova era, na qual os princípios do livre comércio e da cooperação econômica serão substituídos por uma espécie de vale-tudo, não submetido a regras internacionais.

Está em jogo a ordem mundial estabelecida após a Segunda Guerra Mundial, cujos fundamentos tiveram origem no Acordo de Breton Woods, de 1944. Daí surgiu a recomendação da criação do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e da Organização Mundial do Comércio. Dois economistas se destacaram em Bretton Woods, como defensores de um ambiente liberal do comércio internacional: John Maynard Keynes, e Harry White.

Keynes ganhou projeção como mentor intelectual do “new Deal” do governo de Franklin Roosevelt e tinha uma visão liberal sobre as relações comerciais internacionais. Essa doutrina foi afirmada em 1947, pelo Acordo Geral sobre Aduanas e Comércio – GATT, sigla em inglês. As normas desse acordo, destinadas a impulsionar o livre comércio, são vigentes até hoje e reconhecidas pela Organização Mundial do Comércio. Agora algumas de suas cláusulas são violadas pelo presidente americano.

Ao estabelecer medidas protecionistas por meio de tarifas, Donald Trump contraria a teoria, segundo a qual a livre circulação das mercadorias é condição necessária para a plena realização do capital. Se a moda pegar, corremos o risco de voltar aos tempos em que os senhores feudais tributavam as mercadorias que circulavam em seus feudos. Ou da época da grande crise de 1929, quando os EUA viram na adoção de tarifas comerciais o meio para reativar a atividade econômica. Isso não aconteceu. Ao contrário, serviu para ampliar as fronteiras da grande depressão, como bem lembrou Míriam Leitão.

No pós Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos foram por outro caminho. Apostaram suas fichas na abertura da economia, tornando-se o principal beneficiário da liberação do comércio exportando seus produtos para um mercado mundial amplíssimo e tendo acesso a matérias-primas fundamentais para se consolidar como a maior potência econômica do mundo. A história é farta de exemplos de que país nenhum se transformou hegemônico mundialmente fechando sua economia  e adotando medidas protecionistas.  Donald Trump ignora as lições da história.

Ainda requer maiores explicações as razões pelas quais a América, sob comando de seu presidente, enveredou pelo caminho desastroso do protecionismo. Há, claro, um forte viés ideológico, traduzido no “Make América Great Again”. É um sentimento nostálgico ditado pelo temor de perder a corrida econômica e tecnológica em sua disputa com a China. Certamente, essa paranoia foi amplificada com o “momento Sputnik” vivido pelos Estados Unidos a partir do avanço dos chineses na inteligência artificial com o anúncio do DeepSeek.

Os americanos podem pagar preço caríssimo por comprar uma briga com o mundo todo, particularmente com a China e a União Europeia. No caso do México e do Canadá a tática de Trump de primeiro ameaçar, em seguida negociar e depois alardear vitória, mal ou bem funcionou. Ao menos lhe possibilitou uma saída honrosa, alardeando que as medidas coercitivas foram por objetivo nobre; o combate as drogas.  A questão a saber é se a mesma estratégia funcionará com países ou blocos mais fortes.

No caso da China, será uma briga de porte. Os chineses estão lastreados por um superávit comercial da ordem de um trilhão de dólares, o maior que o mundo já viu. Além disso, produzem um terço dos produtos manufaturados do mundo. A China tem bala na agulha para disputar uma guerra comercial onde todos perdem. Mas pode perder menos do que os Estados Unidos. Trump corre sério risco de não ter uma saída honrosa se levar a ferro e fogo sua promessa de tributar produtos chineses em até 60%.

A economia americana pagará preço alto, na hipótese de enfrentar uma guerra comercial global, que afete cadeias produtivas. Aumento da inflação, da taxa de juros e inibição da atividade econômica com aumento do desemprego. Ao se fechar em si mesmo, os Estados Unidos forçarão os outros países a ampliar seus parceiros, a estabelecer relações e acordos com novos parceiros. O resultado do protecionismo de Trump pode ser o fortalecimento da China, com a ampliação da área de influência do país de Xi Jinping.

Os Estados Unidos saíram da guerra fria como a liderança moral do mundo. Essa liderança fica agora comprometida, quando seu governo trata aliados históricos – como o Canadá e a União Europeia -, como se fossem inimigos figadais. Ora, se faz isso com um país com o qual tem identidades a ponto de o primeiro-ministro, Justin Trudeau, lembrar que canadenses e americanos lutaram e morreram juntos em mesmos campos de batalhas, o que não fará com outros países?

Trump faz reacender o antiamericanismo. Não gratuitamente, canadenses vaiaram, em estádios, o hino dos Estados Unidos. O presidente americano pôs a Ordem Global de cabeça baixo ao tentar desconstruir mecanismos de governança global, bem como o sistema de segurança do mundo ocidental. Hoje, Trump só tem um aliado incondicional: Netanyahu.

Já sua briga contra o mundo produziu um feito: fez do comunista Xi Jinping o baluarte do livre comércio e da livre concorrência. Sem chance de dar certo.

 

Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.