Lava Jato: posto que originou operação ganhou R$ 1 milhão de deputados

Na manhã de 17 março de 2014, veículos estacionavam em um dos mais movimentados postos de gasolina do centro de Brasília. Ao invés de procurar as bombas de combustível para abastecer, as viaturas pretas da Polícia Federal (PF) cumpriam mandados contra uma enorme organização criminosa acusada de lavagem de dinheiro.

Nascia ali, no Posto da Torre, a Operação Lava Jato, considerada como o maior processo de investigação contra crimes de corrupção na história do Brasil. No mesmo dia, a Câmara dos Deputados recebia uma nota fiscal no valor de R$ 65,06 para pagar a gasolina de um parlamentar que abasteceu no local.

Os deputados federais continuaram a frequentar o estabelecimento que funcionou como o epicentro do escândalo criminoso. Políticos gastaram 7.214 vezes no Posto da Torre desde aquela manhã nebulosa de março de 2014 até o fim do ano passado. Para isso, cerca de R$ 1,12 milhão de dinheiro público foi repassado para a empresa.

Há gastos de membros do alto escalão do governo, outros completamente desconhecidos e, inclusive, alguns dos parlamentares, inclusive, investigados pela própria Operação Lava Jato. Os dados e informações fazem parte de um levantamento exclusivo realizado pelo Metrópoles.

Compras no Posto da Torre

O Posto da Torre fica localizado próximo ao Eixo Monumental, via que liga os principais espaços e construções políticas do país. O estabelecimento, que é um dos mais movimentados no centro da capital, está a 4 km de distância do Congresso Nacional e abriga também outros serviços, como lanchonetes.

Mais de 99% das compras feitas pelos deputados no local foram com combustíveis, totalizando R$ 1.125.681.53 durante o período de mais de uma década. Além da quantia, os congressistas passaram no posto 7 vezes para se alimentar e, em outras três oportunidades, compraram publicações de revistas ou jornais. Há ainda dois casos de valores incomuns que foram descritos como “divulgação parlamentar” e “consultorias”.

Confira o histórico dos gastos em cada ano:

Quando consideramos apenas o período em que ocorreu a Operação Lava Jato, entre março de 2014 e fevereiro de 2021, os deputados gastaram R$ 728.788,78 em 5.370 oportunidades.

Mais de R$ 1 milhão em cota parlamentar

Para que o posto de combustível recebesse mais de R$ 1 milhão, mais de 780 deputados usaram o dinheiro da cota parlamentar de, pelo menos, três legislaturas diferentes. Os valores envolvem 39 partidos políticos, sendo de todos os espectros políticos.

Veja os partidos dos deputados que mais gastaram no local:

  • PP – 842 vezes (R$ 120,074.54)
  • PT – 645 vezes (R$ 110,008.33)
  • MDB – 831 vezes (R$ 107,621.41)
  • PSD – 543 vezes (R$ 106,171.09)
  • PL – 535 vezes (R$ 102,996.38)
  • PR – 507 vezes (R$ 67,519.23)
  • UNIÃO – 351 vezes (R$ 65,206.00)
  • PSC – 190 vezes (R$ 61,331.33)
  • PSDB – 394 vezes (R$ 53,103.02)
  • PDT – 340 vezes (R$ 49,590.57)

O dinheiro público foi repassado por meio da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar. O benefício é utilizado pelo deputado para custear despesas típicas do exercício do mandato parlamentar, como aluguel de escritório de apoio ao mandato, passagens aéreas e combustível. Os valores concedidos vão de R$ 36 mil até R$ 50 mil, variando de acordo com a localidade do político.

Diante disso, vale ressaltar que a utilização, dentro das normas estabelecidas pela Câmara dos Deputados, da cota em qualquer posto de combustíveis está dentro da legalidade e não configura alguma irregularidade. Em relação ao Posto da Torre, os dados só indicam que o estabelecimento comercial seguiu recebendo quantias públicas e sendo frequentado por políticos mesmo com notável envolvimento na Operação Lava Jato.

O posto da Operação Lava Jato

A Operação Lava Jato foi deflagrada em 2014 pelo Ministério Público Federal (MPF) do estado do Paraná e revelou um vasto esquema de corrupção na Petrobras e em grandes obras de infraestrutura. Considerada a maior investigação anticorrupção já conduzida na história do Brasil, atingiu centenas de políticos e algumas das maiores empresas do país, principalmente estatais e empreiteiras.

A operação começou a partir de uma investigação sobre conexões entre doleiros e políticos. Alberto Youssef, conhecido de outro escândalo, o caso Banestado, foi preso em março de 2014 sob suspeita de intermediar pagamentos de propina entre políticos, empreiteiras e dirigentes da Petrobras. Pouco depois, também foram presos o ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa e outros integrantes do esquema.

Na época da investigação, o Posto da Torre tinha uma lavanderia de roupas, uma casa de câmbio e uma lanchonete. O dono do local, Carlos Habib Chater, foi apontado também como uma das figuras centrais do esquema. É o estabelecimento que dá nome à Operação Lava Jato. O local segue administrado pela família do empresário.

A operação teve, ao todo, 79 fases e durou até 2021. No total, segundo o MPF, foram 163 prisões temporárias, 132 prisões preventivas, 1.450 buscas e apreensões, 211 conduções coercitivas, 35 ações de improbidade administrativa, dois acordos de colaboração homologados no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), 138 acordos homologados no STF.

A Lava Jato gerou 553 denunciados, 723 pedidos de cooperação internacional, R$ 4,3 bilhões devolvidos aos cofres públicos, R$ 2,1 bilhões previstos em multas compensatórias decorrentes de acordos de colaboração, R$ 12,7 bilhões em multas compensatórias de acordos de leniência, R$ 14,7 bilhões previstos para serem recuperados e R$ 111,5 milhões em renúncias voluntárias de réus.

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