Comitê do Congresso alertou Lula sobre falhas de fiscalização no DNOCS

Alvo da Polícia Federal (PF) na operação Overclean por supostos desvios milionários em contratos, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) foi citado, ainda em dezembro de 2023, em um parecer do Congresso Nacional que alertava o presidente Lula (PT) sobre falhas de fiscalização da autarquia.

O alerta se deu um ano antes da primeira fase da Overclean, realizada em 10 de dezembro de 2024.

Dentre as propostas que constam no documento do Comitê de Avaliação das Informações sobre Obras e Serviços com Indícios de Irregularidades Graves (COI) estava “alertar o Presidente da República para a preocupação que suscita a fragilidade atual da capacidade técnica de fiscalização de engenharia do DNOCS”.

O documento do COI está no parecer da Comissão Mista de Orçamento, a qual ele está vinculado, sobre o Projeto de Lei Orçamentária de 2024.

Além da fiscalização, o Comitê do Congresso também apontou para a necessidade de criação de meios para gerir as obras em andamento e fazer a manutenção e segurança das já instaladas.

As conclusões do grupo vieram depois da análise de relatório enviado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre pregões do DNOCS da Bahia para obras de pavimentação.

Um deles, o pregão 03/2021, foi justamente o estopim para a operação Overclean, e virou alvo da PF depois de uma auditoria da Controladoria Geral da União (CGU) apontar irregularidades no procedimento de contratação da Allpha Pavimentações.

A Overclean investiga uma organização criminosa suspeita de desvios milionários em contratos com o DNOCS. Um dos principais alvos da corporação é a Allpha Pavimentações, empresa dos irmãos Fabio e Alex Parente, apontados como líderes da organização.

Outro investigado é o coordenador do DNOCS na Bahia, Rafael Guimarães de Carvalho, mantido no cargo após aparecer em conversas com Alex captadas por escutas ambientais da PF e ser alvo de busca e apreensão.

Antes mesmo das operações da PF começarem, o relatório do Congresso já elencava uma série de lacunas nos objetos analisados, como a “fiscalização deficiente” das obras, “ausência de projeto básico e executivo no processo de contratação e execução” e “falhas na elaboração de planilhas orçametárias e especificações técnicas”.

Segundo o documento, existia uma “ausência de corpo técnico” na coordenadoria bahiana da autarquia, caracterizada pela idade média de 64 anos dos 57 servidores em exercício na época da auditoria, em setembro de 2023.

Além disso, segundo o relatório, o departamento contava com apenas um engenheiro, que, no entanto, estava próximo de completar 70 anos, idade da aposentadoria compulsória.

“Como resultado, todos os sete contratos assinados a partir das atas de registro de preços objeto desta auditoria têm como fiscais os mesmos quatro servidores (um agente de portaria, um agente administrativo, um desenhista e um agente de atividades agropecuárias).”, diz o documento.

A auditoria relata, ainda, que esses 4 servidores estariam lotados nas cidades de Itiúba e Salvador, que chegam a ficar até 800 km distantes de alguns municípios que tiveram vias pavimentadas.

Outro ponto levantado pela análise foi que os projetos de pavimentação estariam supostamente desalinhados com as competências do DNOCS, originalmente criado para obras hídricas.

A constatação, segundo o relatório, é corroborada pelo fato de que entre 2005 e 2020, nenhuma coordenadoria do DNOCS fez qualquer contratação referente à pavimentação.

Após a criação do orçamento secreto, no entanto, de 2021 a 2023, foram celebrados 12 pregões para esse fim com um valor estimado de R$1,2 bilhão.

“Não há qualquer evidência de vinculação objetiva desse gigantesco programa de pavimentação com o funcionamento de alguma obra hídrica de sua responsabilidade (até porque não é o DNOCS que seleciona os locais a serem pavimentados, limitando-se a obedecer à ‘indicação’ do parlamentar autor de emenda orçamentária que custeia a obra).”, diz o documento.

A coluna entrou em contato com a Secretaria de Comunicação Social (Secom) do governo, com o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional  e com o DNOCS. Em nota conjunta, afirmaram que o governo “está ciente das recomendações feitas e esclarece que tem adotado as medidas necessárias para melhorar a fiscalização das obras realizadas pelo DNOCS”.

Dentre elas, está a realização de concurso público para aumentar o quadro de servidores e a contratação de empresa de apoio tecnológico para a equipe técnica de engenharia e atividades específicas de fiscalização.

“O Governo Federal reforça o compromisso com a transparência, execução eficaz das obras e a correta utilização dos recursos públicos”, diz a nota.

A OVERCLEAN

A investigação teve início para apurar desvios em um contrato do DNOCS, mas expandiu seu foco após quebras de sigilo telemático e gravações ambientais que mostraram a atuação de um grupo de empresas em contratos milionários firmados com o governo federal e administrações estaduais e municipais.

Até agora, a operação da PF teve duas fases, a primeira em 10 de dezembro de 2024 e a outra dias depois, no dia 23. Houve também, em 3 de dezembro, uma operação sigilosa de buscas em uma aeronave que pousou em Brasília vinda de Salvador (BA).

Os passageiros do avião eram o empresário Alex Parente, da Allpha Pavimentações, e o ex-coordenador do DNOCS na Bahia Lucas Maciel Lobão Vieira. Os investigadores encontraram com a dupla R$ 1,5 milhão e uma série de documentos e planilhas, que seriam, segundo as apurações, uma espécie de controle informal de pagamento de propinas.

Uma das linhas investigativas da operação diz respeito a emendas parlamentares que teriam bancado contratos milionários sob suspeita.

Como mostrou a coluna, o DNOCS da Bahia utilizou ao menos R$ 194 milhões de emendas do relator, o chamado orçamento secreto, para custear a contratação de empresas. A empresa mais beneficiada foi a Allpha Pavimentações, que recebeu cerca de R$ 53 milhões.

Ao longo das apurações, a PF encontrou indícios relacionados ao deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), o que fez a Overclean ser enviada ao STF e distribuída ao ministro Kassio Nunes Marques.

A relatoria, no entanto, pode mudar porque o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, pediu uma reanálise após a PF indicar relação do caso com as ações sobre o orçamento secreto sob tutela do ministro Flávio Dino.

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