O aprendiz de imperador (por Felipe Sampaio)

Se quiser entender o presidente Donald Trump tem que assistir O Aprendiz (Prime Vídeo). O filme tem o mesmo título daquele programa de TV no qual ele massacrava candidatos à carreira de executivo.

O Aprendiz retrata a ascensão de Trump no ramo imobiliário até se tornar uma celebridade, nos anos 80. Nessa fase, teve como guru o advogado Roy Cohn, cujos ensinamentos questionáveis inspiraram a atuação empresarial e política do ainda futuro presidente dos EUA. A dupla se orientava por três princípios seguidos religiosamente até hoje por Trump: 1º Atacar, atacar, atacar; 2º Nunca admita seu erro nem sua culpa; 3º Em caso de derrota, afirme enfaticamente que venceu.

Nesse sentido, não reconheceu sua derrota para Biden e impeliu uma multidão de seguidores contra o Capitólio, colocando em risco a vida de milhares de pessoas. Já começou seu novo mandato atacando, atacando, atacando o mundo em várias frentes, com bravatas econômicas e militares contra o Canadá, Panamá, Groelândia, México, Oriente Médio, China, Colômbia e Rússia (atos de uma dramaturgia planejada, assim como a deportação em massa dos imigrantes).

Assim, segundo o diplomata Rubem Ricupero, apesar de serem ameaças de cunho internacional, o objetivo de Trump é jogar para a sua torcida interna. Desse modo, procura se afirmar como um imperador cowboy, capaz de qualquer coisa para defender o interesse da sua corte.

Por isso, “Make America Great Again”, não é uma estratégia real de recuperação econômica nacional, mas sim um slogan para dar esperança aos órfãos do American Way of Life. Com isso, fideliza seu eleitorado, obtendo engajamento dos desempregados de Detroit, dos americanos brancos de classe B, C e D, dos “negros de bem” e dos imigrantes legais em geral. Todos contra a imigração ilegal, a bandidagem, os terroristas, os comunistas, as ongs, a ONU, os cartéis e tudo mais que simbolize um risco para o renascimento prometido do sonho americano.

Trump sabe que os EUA têm as maiores reservas de petróleo do planeta (reforçadas pelos depósitos de petróleo e gás de xisto). Têm também uma população economicamente ativa cujo grau de envelhecimento médio ainda não é tão preocupante como o de outros países desenvolvidos. O País tem também um estoque de terras agricultáveis e habitáveis ainda intocadas. Conta com acesso aos dois principais oceanos e um isolamento terrestre que melhora a posição de defesa do seu território.

Como bom aprendiz de imperador, Trump pode se dar ao luxo de algum “mise en scène”. Somado a tantas vantagens geográficas e demográficas, sabe que dispõe ainda de uma poderosa marinha de guerra onipresente e do maior arsenal nuclear do mundo. Tem maioria na Suprema Corte e no Congresso e é apoiado por uma máquina de propaganda formada pelas maiores redes digitais da atualidade.

O Aprendiz revela um Donald Trump com intuição e pragmatismo aguçados. No centro de tudo está ele próprio, portador de um narcisismo em grau elevado e desprovido de afetos ou compromissos. Seduz ou descarta pessoas com a mesma naturalidade. É obcecado pelo sucesso e pela ostentação pessoal, tendo se tornado uma espécie de bezerro de ouro de si mesmo.

É bom lembrar que, antes de mais nada, Trump é um homem de negócios agressivo, acostumado a blefar, a jogar no limite do risco. Resta saber se ele vai orientar suas escolhas segundo a “racionalidade” que fundamenta o capitalismo clássico, ou se continuará seguindo os três princípios do seu guru Roy Cohn na hora de tomar decisões cruciais para os EUA (e para a humanidade).

 

Felipe Sampaio: cofundador do Centro Soberania e Clima; atuou em grandes empresas e no terceiro setor; chefiou a assessoria especial do ministro da Defesa; dirigiu o sistema de estatísticas no ministério da Justiça; foi secretário-executivo de Segurança Urbana do Recife; é chefe de gabinete da secretaria-executiva no Ministério do Empreendedorismo.

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