Coleção Moraes e Oliveira celebra 30 anos de dedicação à arte

Colecionar obras de arte é como colecionar histórias. Não apenas pelas narrativas poéticas presentes nos quadros e trabalhos, mas, principalmente, pelos encontros, trocas, vivências e aprendizados ao lado de artistas, curadores, pesquisadores e público. Há 30 anos, Onice Moraes e José Rosildete de Oliveira iniciaram, em um primeiro momento apenas pelo gosto e olhar estético, um colecionismo de referência em artes visuais, sobretudo, no Centro-Oeste brasileiro. 

Em 25 de novembro de 1995, uma exposição de esculturas, desenhos e gravuras do artista mineiro Amilcar de Castro abria as portas da Referência Galeria de Arte, uma empreitada do casal em território brasiliense. “A partir de então, foram aparecendo artistas, curadores começaram a nos procurar e foi-se criando um mundo de arte”, relembra Onice.

Contudo, o primeiro capítulo dessa história começou anos antes, quando, em uma exposição de um artista argentino no Espaço Cultural Renato Russo, que na época nem tinha esse nome, Onice e José compraram a primeira obra de arte do que viria a ser uma coleção de 900 peças. “No início a gente não via um sentido, sentíamos vontade de ter, mas não pensávamos em coleção”, comenta José. “Era mais por gostar mesmo, não tinha um estilo definido”, acrescenta Onice.

Hoje, a Coleção Moraes e Oliveira conta com 900 peças

 Exposição comemorativa

Um recorte dessa narrativa, que confunde a construção da Coleção Moraes e Oliveira e a da Referência Galeria de Arte, será apresentado ao público a partir desta terça-feira (4/1) na Caixa Cultural Brasília. Com curadoria de Renata Azambuja e curadoria adjunta de Emerson Dionísio Oliveira, a exposição História(s) da arte brasileira | multiplicidade da coleção Moraes e Oliveira reúne obras do acervo privado dos colecionadores. São, ao todo, trabalhos de 65 artistas brasileiros contemporâneos que produzem desde os anos 1960 e abordam questões sociais e artísticas em suportes e linguagens diversas e inovadoras.

Depois de contribuir com o empréstimo de obras para exposições individuais ou coletivas em instituições como o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), a Fundação Getúlio Vargas, o Museu Nacional da República, o Centro Cultural TCU, a Galeria de Arte Antônio Sibasolly e a Galeria de Arte da Faculdade de Artes Visuais da Universidade de Goiás, é a primeira vez que o público da capital federal poderá ver um recorte significativo e diversificado da coleção do casal.

Flertando com a arte

Ela, uma mineira de Boa Esperança, ele, um piauiense de Uruçuí, se conheceram enquanto trabalhavam no Centro de Ensino Fundamental 05 em Sobradinho, no Distrito Federal. Apesar de ser servidora da Caixa Econômica Federal, Onice dava aula de português, à noite, no supletivo. Estudante de medicina, José era técnico administrativo da escola. “Começou com um olhando para o outro de longe, depois nos aproximamos, começamos a namorar e nos casamos em setembro de 1977″, relembra Onice.

José Rosildete Oliveira e Onice Moraes

Apesar de não serem da área artística por formação, os dois sempre tiveram um interesse pelo meio. “A gente começou, no início dos anos 1990, a frequentar feiras, feiras de antiguidades, da Torre de TV. Depois, por acaso, uma vizinha era amiga de artistas, e nós fomos visitar um ateliê e começamos a nos envolver”, detalha José. “Criamos um convívio com os artistas, a gente se encontrava também fora dos ateliês para tomar cerveja e conversar”, complementa Onice. Vale lembrar que, na época, o Brasil e Brasília viviam uma efervescência cultural. 

Quando ela estava prestes a se aposentar, os dois começaram a pensar o que fariam e decidiram por abrir uma galeria de arte. “Não queria parar de trabalhar, como não parei até hoje. Era muito nova, estava cheia de energia, de vontade de continuar. Fiz um curso no Sebrae que deu um impulso, uma coragem para enfrentar o mercado. Me animei, passamos noites e noites nesta mesa para criar um plano de negócios da galeria. Era Referência desde o começo”, detalha Onice.

Munidos do desejo e da determinação, uma das principais características do trabalho do casal, Onice e José fizeram muitas pesquisas de campo em galerias em São Paulo, Rio de Janeiro, Goiânia e Belo Horizonte. Inspirado em nomes como Nara Roesler, que mantém, na capital paulista, um espaço desde 1989, e Beatriz Abi-Acl, que atua na capital mineira, o casal abriu a primeira loja na 311 Norte.

Conquistando os artistas

Em entrevista à coluna Claudia Meireles, Onice e José relembram que este percurso no universo das artes visuais rendeu a criação de vínculos afetivos e muitas histórias de bastidores. Amilcar de Castro, por exemplo, o primeiro artista a ocupar a recém-inaugurada galeria, não gostava de Brasília. “Ele falava que aqui não tinha esquina, não tinha boteco, que não gostava de “rua de boteco”. Ele tinha uma birra enorme com a cidade por causa de uma briga com o Niemeyer”, conta José. “Mas convencemos ele a fazer a exposição. Fomos lá na cara dura”, acrescenta.

Apresentado ao casal por intermédio do artista plástico paraense Bené Fonteles – um dos nomes que ajudou a formar a Coleção Moraes e Oliveira e a Referência Galeria de Arte -, Athos Bulcão é lembrado por Onice pela doçura. “Ele falava baixinho, dava para ver sua genialidade”, detalha. A galeria brasilense foi uma das responsáveis por apresentar uma das últimas exposições do carioca, que reunia máscaras, gravuras e algumas pinturas. “Vi o Athos muito feliz. Lembro que, na época, ele disse achar lindo ver as ‘bolinhas’ nas obras, um sinal de que os trabalhos tinham sido vendidos”, conta José.

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Eles abriram os álbuns de foto e resgataram memórias e histórias

Onice ao lado de Ney Matogrosso
Imagens mostram como eram as exposições
O trabalho da galeria sempre foi prestigiado por autoridades e artistas
Memórias fotográficas
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À coluna Claudia Meireles, Onice e José relembraram os 30 anos de colecionismo

Gustavo Lucena/ Metrópoles/ @lucenafoto

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Eles abriram os álbuns de foto e resgataram memórias e histórias

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Onice ao lado de Ney Matogrosso

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Imagens mostram como eram as exposições

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O trabalho da galeria sempre foi prestigiado por autoridades e artistas

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Memórias fotográficas

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Para além da genialidade, Onice afirma que os jovens artistas têm muito a aprender com o carioca. “Durante sua exposição, ele [Athos] ia para a galeria todo sábado de manhã. Sentava lá, conversava com as pessoas, tomava café, sempre muito simples. Ele valorizava aquele momento, porque, às vezes, eu percebo que alguns artistas não se envolvem com sua exposição, com o público, enquanto outros movimentam, convidam pessoas, e aquela mostra acaba virando muitos eventos, e a galeria, a sala de visita do artista”, destaca.

São muitos os nomes que contribuíram para a consolidação da coleção e da Referência. Entre eles, o casal destaca: Carlos Vergara, artista que encabeçou a segunda exposição da galeria; Claudio Tozzi; Rubens Gerchman; Araquém Alcântara; Luiz Áquila; Fernando Veloso; e Ralph Gehre. Obras de alguns deles, inclusive, integram o acervo. 

Obras do acervo
Obras do acervo

O casamento com a produção do Centro-Oeste

Da 311 Norte, primeira localização da galeria, ela também ocupou um espaço no shopping CasaPark e na Babilônia Norte, como é conhecida a quadra 205, até se firmar na 202, onde está até hoje. “Nos primeiros anos, quase não existia um mercado, mas depois de uns três/quatro anos, na resiliência da galeria, começou a ter um movimento maior”, comenta Onice.  

Ao longo desses 30 anos, Onice e José enfrentaram altos e baixos e períodos de recessão – chegaram a ficar um ano se reestruturando em casa, sem um espaço físico, funcionando quase como um escritório de arte. Na avaliação do casal, uma das viradas de chave dessa história foi uma exposição, realizada no Museu Nacional da República, na época sob direção de Wagner Barja, que reunia obras dos anos 1950 até 2014. “Ele [Barja] pegou emprestado com a gente 36 obras da nossa coleção. Naquele momento percebemos que tínhamos uma coleção e que tínhamos que dar um sentido, uma história e uma orientação para ela”, explica José.  

José Rosildete Oliveira e Onice Moraes começaram a colecionar obras de arte o início dos anos 1990

Ao buscar por esse norte mais específico, os dois encontraram no livro de Aline Figueiredo, Artes plásticas no Centro-Oeste, a inspiração. Fomentar a arte de Brasília e da região central do país seria, assim, a vocação e o objetivo do trabalho de Onice e José. De olho no mercado e, principalmente na produção contemporânea, o colecionismo do casal foi crescendo e se fortalecendo como, de fato, uma referência. 

Filhos e frutos do matrimônio

A Universidade de Brasília (UnB), seus professores e alunos também têm um papel de relevância nessa história da Coleção Moraes e Oliveira e da Referência Galeria de Arte. “Acho que por causa da proposta de trabalho contínuo que nós sempre tivemos”, avalia Onice. Contudo, além da atenção para o mercado e suas demandas, tem um olhar que os difere, o “olhar referência”.

“Com o passar do tempo e a convivência com a produção dos artistas visuais, fomos formando uma visão da importância e qualidade dos trabalhos”, descreve a galerista. Para eles, além do gosto, a relevância de uma obra se dá a partir da contribuição que ela oferece dentro de uma história da arte. “Sempre tive como meta não deixar o nome da galeria se perder e mantê-lo, de fato, como referência”, complementa.

Onice Moraes

Sem dúvidas, a Coleção Moraes e Oliveira nasceu, cresceu e se consolidou como o quarto filho do casal. Afinal, manter o acervo e a galeria envolve não só uma questão de custo, nem é só compra de obras de arte, mas inclui um trabalho dedicado de manutenção, restauração, catalogação e divulgação da arte. “Para os próximos anos da galeria, planejamos engajamento com o mercado e com a sociedade, ações de proteção ao meio ambiente e de prospecção para o futuro”, define Onice. Tanto como colecionadores quanto como galeristas, o que define Onice e José é um amor genuíno pela arte e a dedicação em fazer com que o público, daqui e do Brasil, conheça a potência artística e as histórias do Centro-Oeste brasileiro.

Confira mais alguns cliques da visita, pelo olhar de Gustavo Lucena:

José Rosildete Oliveira e Onice Moraes
Claudia Meireles, José Rosildete Oliveira, Onice Moraes e Beto Osório
Beto Osório e Claudia Meireles
Beto Osório, Onice Moraes, José Rosildete Oliveira e Claudia Meireles
Onice Moraes
Onice Moraes e José Rosildete Oliveira
Obras de arte “emolduram” entrevista com Claudia Meireles

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