Pactuação Qualificada (por Luiz Paulo Vellozo Lucas)

Quando implantamos o Planejamento Estratégico no Sistema BNDES no inicio dos anos 80, trouxemos Carlos Matus para dar um curso para os executivos do banco. Ele tinha sido ministro do planejamento no governo de Salvador Allende no Chile e no exilio tornou-se consultor. Sua teoria chamava-se “planejamento estratégico situacional”. O planejamento é a reflexão e o cálculo técnico-politico que precede e preside a ação, ensinava Matus. Um bom plano não é um estudo nem muito menos o desenho de como deveria ser o mundo ideal. Um bom plano subsidia a decisão sobre o que temos que fazer.

Governar não é um problema bem estruturado. Não se presta, portanto,  ao método cientifico. Contudo é preciso fazer estudos científicos prévios, conhecer casos de sucesso, desenhar cenários, avaliar a reação dos atores sociais relevantes, avaliar a correlação de forças e por fim agir. A decisão de governo é sempre política e um bom planejamento reduz o espaço para o comportamento errático e para o improviso, portanto reduz a probabilidade de erro.

O plano é sempre uma aposta. Todos os atores sociais fazem seus planos. Os planos e ações de governo precisam se orientar pelo interesse público e os governantes não são seus donos. Existem conflitos de interesse na sociedade e decisões de governo quase sempre produzem vencedores e perdedores. Em situações de guerra onde o inimigo externo comum é perfeitamente visível, todos se enrolam na bandeira nacional e o capital cívico do país chega ao seu máximo.

Depois de 1964 o regime militar gradativamente foi estreitando as liberdades democráticas, acumulando e centralizando todo o poder até que uma verdadeira unidade nacional se formasse para extingui-lo. Tancredo Neves encarnou esta amplíssima frente democrática há quarenta anos.  O desafio de controlar o processo inflacionário dominou a agenda do país por dez anos. Por seis vezes vários governos tentaram e fracassaram  até que  o Plano Real reuniu as condições técnicas e politicas para unir o Brasil em defesa da moeda estável e fundar uma nova ordem monetária e financeira.

Nosso sistema político parece ter desistido de encontrar o interesse nacional e foi capturado pelos interesses específicos, legítimos e ilegítimos, costurados como numa colcha de retalhos. Pragmaticamente todos se rendem a nova lógica do poder. A disputa pelo controle do orçamento da União ocupa o centro das preocupações, planos e estratégias politicas. O poder da caneta e das “entregas” são indicadores antecedentes de sucesso eleitoral.  As emendas parlamentares e as transferências voluntárias do executivo são a principal fonte de financiamento para as cidades.

No meu livro “Qualicidades”, publicado em 2006, defendo que o orçamento do investimento público seja elaborado por microrregiões. De acordo com o IBGE, o Brasil tem seiscentas microrregiões. No orçamento da União ficariam apenas os grandes investimentos com dimensão nacional e todas as transferências teriam que passar por esta peça que seria multimunicipal e impositiva. Os parlamentares federais e estaduais participariam da sua elaboração assim como as autoridades locais.

Elaborado desta forma o orçamento de investimento para obras locais integraria os três níveis da federação e teria força de contrato, podendo servir para alavancar operações de crédito no sistema financeiro e fazer parcerias com o setor privado, como é feito na União Europeia e em vários países do mundo.

 

Engenheiro, Mestre em Desenvolvimento Sustentável , ex prefeito de Vitoria-ES

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