Prepare o bolso: por que Argentina ficou tão cara para os brasileiros

Se você viajou recentemente para a Argentina, certamente já sentiu no bolso que os tempos de compras baratas e custo de vida acessível ficaram para trás. O “novo normal” no país governado pelo economista ultraliberal Javier Milei, que tomou posse na Presidência em dezembro de 2023, é um encarecimento generalizado na dinâmica de preços em dólares – o que, por tabela, torna a Argentina menos atrativa para brasileiros que antes invadiam o país vizinho para consumir muito e gastar pouco.

Logo que assumiu o cargo, o novo presidente argentino acabou com o congelamento da taxa de câmbio oficial no país e desvalorizou o peso em 54%. O câmbio oficial passou para 800 pesos por dólar, em meio a uma política de desvalorização de 2% ao mês (menor do que a inflação mensal na Argentina).

Eleito sob a bandeira do combate à inflação, que havia batido 211,4% em 2023, Milei levou a cabo a chamada âncora inflacionária, ancorando o preço do dólar oficial e aumentando sua cotação enquanto o peso era desvalorizado continuamente.

Na prática, com o sistema de desvalorização controlada, os produtos se tornaram mais caros em dólar. Além dessa medida, uma âncora fiscal (que contribuiu decisivamente para a redução dos gastos públicos) e uma âncora monetária (com a suspensão da emissão de dinheiro para financiar o Tesouro) foram determinantes para a queda da inflação.

No ano passado, a inflação na Argentina ficou em 117,8%, desabando 94 pontos percentuais em relação a 2023, de acordo com o Instituto Oficial de Estatísticas (Indec). Em dezembro de 2024, a inflação foi de 2,7% em relação ao mês anterior – a terceira medição seguida abaixo dos 3%. Em janeiro de 2025, o índice de inflação desacelerou para 2,2%, segundo dados divulgados na última quinta-feira (13/2), o nível mais baixo desde julho de 2020.

No acumulado dos últimos 12 meses, a inflação argentina ficou em 84,5%, menor índice desde 2022 e 9º mês seguido de desaceleração nessa base de comparação.

“O aspecto positivo que vejo é a possibilidade de a Argentina ter estabilidade. Para os turistas talvez não seja muito bom, mas, para os argentinos que vivem aqui, que já sofreram com tanta volatilidade e tanta inflação, é algo importante. Para este ano, a projeção é uma inflação de 24%. Vamos passar de 211%, em 2023, para 24%, em 2025. É um feito”, destaca o argentino Ricardo Gabriel Amarilla, analista sênior de dados econômicos e financeiros da Economatica na Argentina.

Inflação em dólares

Apesar de alcançarem o objetivo de baixar a inflação oficial, as medidas implementadas pelo governo Milei também geraram efeitos negativos. Com o fortalecimento do peso ao ser desvalorizado abaixo da inflação, o dólar acabou perdendo parte de sua capacidade de compra em relação ao custo de vida, gerando o fenômeno da inflação em dólares.

Isso afetou diretamente os brasileiros, pois a diferença entre o dólar paralelo e o oficial – que antes era expressiva – diminuiu consideravelmente, de modo que os produtos comercializados no país já não são mais tão baratos para brasileiros que vão à Argentina com moeda estrangeira.

“A inflação era alta na Argentina e continua sendo. O que acontece agora é inflação em dólar, porque eles seguraram o dólar e a inflação continuou subindo”, observa o também argentino Roberto Luis Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). “O segundo ponto é a valorização do câmbio. É um freio muito importante para a inflação. Mas você tem uma inércia muito grande dos preços. Você segura o câmbio, todos os preços dolarizados ficam mais estáveis, mas os outros continuam a subir, como os preços dos serviços, por exemplo.”

Além disso, a valorização do peso argentino e a perda de força do real entre o fim do ano passado e o início deste ano acabaram por subverter uma realidade que parecia consolidada havia muitos anos. Hoje, são os argentinos que têm ido ao Brasil para fazer compras a preços baixos, enquanto os brasileiros sofrem com o custo dos produtos na Argentina.

“O que acontece é que as pessoas precisam de mais reais para comprar um dólar e de mais dólares para comprar as coisas na Argentina. Combinando essas variáveis, para quem está na Argentina hoje, como os estudantes, as coisas não estão mais tão baratas quanto no passado”, explica Troster. “Um bom termômetro disso é ver como as praias de Florianópolis estão cheias de argentinos, que vêm para o Brasil e agora esvaziam as prateleiras de supermercados. Compram tudo o que eles podem para levar para lá. Antes era o contrário, eram os brasileiros que faziam isso na Argentina. Agora inverteu.”

De acordo com dados do Observatório das Migrações Internacionais, o número de argentinos que vieram ao Brasil aumentou de 160,8 mil para 254,7 mil entre 2023 e 2024 (alta de 58,4%).

“A Argentina ficou mais cara e o Brasil ficou mais barato. Então, você tem mais turistas argentinos indo para o Brasil e menos turistas brasileiros indo para a Argentina. É um processo natural”, prossegue Troster. “Quando você valoriza o câmbio, o efeito é positivo na inflação e negativo na balança comercial. A Argentina, portanto, pode estar perdendo espaço no turismo por causa disso.”

Entre o início dos anos 1990 e o começo dos anos 2000, a Argentina adotou uma política de paridade de moedas, por meio da qual um peso equivalia a um dólar. A tentativa de domar a inflação não funcionou e fez os custos de produção aumentarem, o que reduziu fortemente a competitividade e afugentou investimentos do país.

Em 2001, em meio a uma grave crise econômica, a paridade das moedas foi abolida e o peso passou por uma forte desvalorização. Governos em série intensificaram a emissão de moeda, aumentando a quantidade de dinheiro em circulação e levando a uma inflação ainda maior. Um tiro no pé.

Com a perda de confiança dos argentinos no valor da própria moeda, grande parte da população passou a usar o dólar para poupança, compra ou venda de imóveis, além de referência em grandes contratos. Como as reservas internacionais não eram suficientes para atender a essa demanda, o dólar se tornou escasso no país. Vieram, então, o controle do câmbio oficial e medidas que limitaram a compra de dólares.

Sentindo no bolso

A inflação em dólares na Argentina é facilmente perceptível para quem esteve no país recentemente. No bairro de Palermo, uma das regiões turísticas da capital Buenos Aires, uma xícara de café não tem saído por menos de 3,3 mil pesos (o equivalente a US$ 3,20 pelo câmbio oficial ou R$ 19). Nos mercados e padarias mais tradicionais, o pão fatiado custa cerca de US$ 4 (R$ 22,90) e o pão com manteiga sai por US$ 3 (R$ 17).

De acordo com o Índice de Preços Big Mac, criado pela revista britânica The Economist com base em dados do McDonald’s e empresas de entrega em domicílio, o preço médio do hambúrguer na Argentina é de US$ 7,37 (R$ 42,20). Trata-se do valor mais caro da América Latina e o segundo mais alto do mundo, atrás apenas da Suíça. Há 1 ano, o Big Mac argentino custava metade do preço atual.

Em outros setores, o cenário é semelhante. Recentemente, o governo Milei foi à Justiça contra operadoras de plano de saúde para que elas devolvessem parte do valor cobrado dos clientes, acusando as companhias de formação de cartel. O aumento no valor das mensalidades dos planos em relação a dezembro do ano passado é superior a 200%.

Apesar do fortalecimento do peso e da queda dos índices oficiais de inflação, as medidas adotadas pelo governo argentino ainda não se traduziram em um aumento substancial do poder aquisitivo da população.

“Milei foi eleito para resolver os problemas econômicos e seu principal objetivo é reduzir a inflação. Temos uma larga tradição de inflação no país”, afirma Ricardo Amarilla, da Economatica.

“Temos um problema estrutural. É necessário começar a fazer mudanças estruturais, como reformas mais profundas que precisam passar pelo Congresso. A solução fácil e simplista não é capaz de resolver as questões de fundo, como reformular o sistema tributário e racionalizar os gastos do Estado. O problema não se resolverá de um dia para o outro”, alerta.

Para Amarilla, “os salários começaram a crescer, em dólares, e houve uma melhora em termos gerais”. “Mas, em muitos casos, isso ocorreu ainda sob uma forte inflação. Portanto, essa melhora em dólares não se reverteu em um aumento do poder aquisitivo dos argentinos”, explica. “A situação econômica melhorou. O país está saindo de uma situação extremamente difícil, mas segue em um quadro muito delicado. Superar essa situação requer muitos anos.”

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