Alunos denunciam assédio moral e discriminação em moradia da UnB

Estudantes que moram nos blocos A e B da Casa do Estudante Universitário (CEU) da Universidade de Brasília (UnB) denunciam uma série de violências, supostamente ocorridas no ambiente acadêmico. As ocorrências envolvem, segundo universitários, falsas acusações de desacato a servidores, abertura de processos contra estudantes que questionam a prestação de serviço, discriminação e etarismo. Há relatos, ainda, de convivência hostil entre alunos moradores da CEU, com conflitos e episódios de difamação e injúria, perturbação do sossego e invasões aos apartamentos dos estudantes, além de problemas relacionados a questões estruturais dos prédios de imóveis funcionais.

Ao todo, a CEU, construída em 1973, tem 90 apartamentos com capacidade para acomodar 360 alunos. As unidades são classificadas como mistos, masculinos e femininos e permitem a permanência de no máximo quatro pessoas para cada imóvel. O local atende a alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômica, com renda familiar mensal de até um salário mínimo e meio per capita, regularmente matriculados em disciplinas dos cursos presenciais de graduação e que as famílias não tenham imóveis no DF.

Morador da CEU, Matheus Amaro, 26 anos, natural de Juazeiro do Norte, no Ceará, ocupa vaga na moradia estudantil desde o segundo semestre de 2023. Assim que chegou à residência, Matheus teve problema para conseguir acesso ao Restaurante Universitário (RU) e quando reivindicou a assistência conseguiu perceber um problema ainda mais profundo: a existência de dezenas de vagas ociosas na Casa do Estudante, mesmo quando existiam alunos em situação de vulnerabilidade e desabrigados.

Ao denunciar a suposta prevaricação da Diretoria de Desenvolvimento Social (DDS) e da Coordenação de Moradia Estudantil (Cogem) ao Ministério Público Federal (MPF) e comunicar a situação via e-mail, aos discentes que aguardavam convocação para assumir vaga nos imóveis, Matheus alega que começou a sofrer perseguição.

“Durante uma reunião ao qual me convocaram, fui intimidado pelos gestores, inclusive me ameaçaram com a instauração de um processo disciplinar discente (PDD). Naquele momento, aleguei que não tinha cometido qualquer irregularidade ou ilegalidade, pois o meu único objetivo era buscar maior eficiência administrativa e garantir assistência aos estudantes necessitados. No entanto, a diretora da DDS foi enfática ao afirmar que, caso desejasse, poderia encontrar uma ‘brecha’ na legislação para instaurar o processo disciplinar”, relata o jovem.

Ouça o áudio da diretora da DDS à época dos fatos:

Após o episódio, o aluno solicitou à Cogem a autorização para receber um discente por 15 pernoites em seu apartamento na CEU. O pedido foi inicialmente deferido, mas poucas horas depois, a coordenação alegou que Matheus juntamente com os amigos do apartamento, estavam recebendo um visitante que não poderia ser abrigado na Casa.

“Diante dessa situação, fui à Coordenação de Moradia Estudantil para questionar as razões jurídicas da decisão e reivindicar a adequação da medida conforme as regras vigentes da Universidade de Brasília. A situação tomou proporções inesperadas quando uma servidora convocou os agentes de segurança da instituição alegando que estava sendo ‘constrangida’ por mim. Ela afirmou que eu estava sendo agressivo na reivindicação dos meus direitos, mesmo sem nenhum xingamento, ameaça ou coação física. Desde então, servidores tentam a todo custo me enquadrar como um jovem agressivo, que constantemente comete desacatos”, conta Matheus.

Assista o depoimento de Matheus:

O resultado do processo administrativo disciplinar discente contra Matheus saiu após mais de um ano da data em que foi instaurado. O rapaz foi condenado e corre o risco de ter a assistência extinta, o que seria um problema gigantesco para ele, que é hipossuficiente e não possui condições financeiras para custear o aluguel de um imóvel no Distrito Federal.

“Estou até o presente momento esperando um posicionamento final da UnB. Correndo o risco de ser expulso da moradia estudantil por ter denunciado a prevaricação dos servidores da DDS e Cogem. Estou tendo que conviver durante todo esse tempo com o estigma de suspeito da prática de crime, além de intensificar minha ansiedade e depressão. Venho de uma realidade problemática, onde falta a presença do poder público e não posso aceitar essa situação”, desabafa.

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Mcmillan Gutierres

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Matheus Amaro

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Mcmillan Gutierres

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Etarismo, perturbação do sossego e convivência hostil

A discente MCmillan Gutierres, 43, residente da CEU, alega convivência hostil entre os moradores com inúmeros episódios de difamação, injúria e discriminação contra pessoas com deficiência (PCDs), além de etarismo. Há denúncias de perturbação do sossego com música alta em diversos momentos no ambiente de descanso e registros de ocorrências policiais.

MCmillan narra que começou a sofrer etarismo quando denunciou barulho excessivo que estava incomodando a tranquilidade de pessoas no prédio.

Assista imagens da perturbação do sossego:

“De tanto fazer reclamações e ninguém resolver, decidi chamar a Polícia Militar. Desde então, comecei a sofrer violência diversas, além de etarismo. Jovens me ofendem na porta da minha casa e me chamam de ‘velha’. Estudantes homens já ameaçaram bater na minha cara”, denuncia a mulher.

Incomodados, outros alunos moradores da CEU que também alegam perseguição fizeram um requerimento junto à Cogem contra ela.

Segundo a discente, vários pedidos de ajuda foram reportados à gestão da UnB para mediar a situação e, até o momento, nada de efetivo aconteceu.

“Temos um regulamento de convivência na CEU que não está sendo cumprido. Levamos o assunto recentemente para a nossa nova decana, inclusive com pedido de transferência de uma agente de portaria do prédio que ameaçou chamar o namorado policial na CEU durante uma discussão. A decana disse que não podia responsabilizar um servidor por causa de apenas uma pessoa. Estou vivendo ciclos de violência e negligência dentro da UnB que estão sendo ignorados”, considera.

Ouça áudios e assista o depoimento de MCmillan:

Invasão

Existe, ainda, denúncia do uso distorcido das normas de moradia para invadir apartamentos dos estudantes sem aviso prévio, com casos de servidores dos sexo masculino adentrarem aos apartamentos femininos sem autorização e presenciarem moradoras de toalha ou roupa mais confortável.

Dalila Carvalho, 34, mora no bloco B da CEU e disse estar preocupada com a naturalização da violência na universidade. “Há intenção em nos silenciar. Parece que manter servidores que cometem arbitrariedades na Cogem é proposital”, opina.

Ao Metrópoles Dalila relatou duas situações: em uma delas, a discente estava com uma camisola decotada quando teve a privacidade violada. No caso mais recente, em fevereiro último, entraram no apartamento que ela reside para realizar um serviço que já havia sido finalizado.

“Na manhã do dia 5 de fevereiro de 2025, estava sozinha no apartamento que resido e me aprontava para sair quando, repentinamente, escuto um firme bater à porta. Como não aguardava nenhuma visita, eu não atendi ao chamado, até que ouço a abertura da porta. No vídeo, a servidora afirma, acompanhada de um técnico terceirizado, que adentrou ao apartamento para realizar o conserto das torneiras da pia do lavabo. Entretanto, o reparo já tinha sido realizado, em 22 de janeiro deste ano com outro servidor acompanhado da equipe técnica”, detalha.

Na outra situação, a mulher vestia camisola quando foi surpreendida por um servidor entrando no apartamento. “O servidor, em tom de deboche e olhando inteiramente para meu corpo por vestir tal peça de roupa, respondeu que entraria sim, porque era dia de vistoria”.

Assista vídeo e ouça áudio sobre situações vivenciadas:

Dalila afirma que jamais recebeu, assim como qualquer outro morador, comprovação de realização de vistoria patrimonial e muito menos é exigida a presença de ao menos um morador na conferência do patrimônio. Ela registrou boletins de ocorrência na Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM), relatando os dois episódios.

“Só queremos condições de moradia dignas. Que seja verdadeiramente acolhedora e humanizada. A transformação é para que haja uma mudança de cultura violenta para ser humanizada e garantir a permanência dos estudantes até que concluam suas graduações com tranquilidade”, diz Dalila.

Problemas estruturais

Outras denúncias expõem a estrutura do espaço da CEU. O elevador não funciona, o banheiro da sala de estudos fica trancado para o uso dos estudantes e a academia tem diversos equipamentos sem funcionar. Há reclamações quanto ao carro acessível da UnB para cadeirantes que também atende a Casa do Estudante e está parado.

Breno Torquato, 24, mora na CEU desde de 2022. Ao citar apurações do MPF, que já recomendou inspeções no local, o funcionamento dos elevadores também foi outro ponto de reclamação levantado pelo universitário. Breno conta que os equipamentos só são ligados em caso de emergência.

“Já disseram que o uso é restrito porque os elevadores quebram e não tem manutenção. No entanto, sabemos que há contrato ativo com empresa que realiza os serviços.”

Notificação

As mais diversas denúncias relatadas neste texto também foram levadas formalmente à reitoria da UnB, bem como para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do DF (CLDF), à Câmara dos Deputados, ao Ministério dos Direitos Humanos, Ministério da Igualdade Racial, Ministério das Mulheres, Ministério Público Federal (MPF) e Defensoria Pública da União (DPU).

As denúncias seguem sob investigação. A reitoria da universidade foi notificada por meio de ofícios para que adote ações concretas que garantam a segurança, privacidade e igualdade de direitos entre os residentes e envie esclarecimentos acerca dos encaminhamentos realizados.

O outro lado

Por meio de nota, a UnB destacou que tem mantido diálogo constante com os moradores da CEU para tratar de questões relacionadas à convivência no espaço. “As denúncias recebidas pelos canais institucionais competentes, como a Ouvidoria, assim como os processos disciplinares, são analisados com seriedade, observando as normas institucionais e os princípios fundamentais, como o direito ao contraditório e à ampla defesa. O caso mencionado está em tramitação e ainda não foi submetido à decisão final”, destaca a universidade.

A UnB acrescentou que entre as normas observadas, estão a política de acessibilidade, que assegura a utilização prioritária do elevador da CEU a estudantes com deficiência e mobilidade reduzida, tendo sido facultado o uso por estudantes que carregam volumes pesados​.

“Em reunião com os estudantes, também foram pactuadas rotinas seguras para o acesso de servidores aos apartamentos, somente em situações previamente comunicadas, como para serviços de manutenção ou dedetização. Em 17 de fevereiro de 2025, medidas foram discutidas para garantir o cumprimento das regras de convivência, incluindo iniciativas educativas e a fiscalização do barulho após as 22h​”, finaliza a nota da instituição de ensino.

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