HÁ VINTE ANOS – Onde fica o paraíso

– Tem aquele camarão?

– Tem – respondeu o garçom que me reconheceu. E que sabia que eu gostava do camarão de um determinado jeito.

Mais cuidadoso com a forma física do que eu, meu amigo pediu uma modesta salada.

Dalí a uns 30 minutos, chamei o garçom e perguntei:

– Cadê o prato? Tem mais de 30 minutos…

Ele respondeu que ia ver. E foi. E só voltou a falar comigo quando pedi a outro garçom que o procurasse.

– E então? Cadê a comida?

– Vai demorar um pouco, doutor – respondeu.

– Um pouco? Quanto tempo?

– Bem, vou perguntar…

Foi. E, dessa vez, não precisou ser convocado para me dar explicações. Reapareceu quase 10 minutos depois – embora a cozinha estivesse a menos de 60 passos de onde eu estava.

– E aí? – perguntei já irritado.

– É, vai demorar muito, doutor.

– Demorar muito? Mas o que é muito? Dez minutos, 20, 30? Assim não dá…

– Volto já.

Não acreditei… Ele deu mais um pulo à cozinha para tentar voltar com uma resposta sobre o que significava demorar muito.

Dessa vez, voltou em cinco minutos.

– Vai demorar um bocado – disse, pesando as palavras ao me ver à beira de um ataque de cólera.

– Por que um bocado? E o que quer dizer um bocado?

– Bem, é o seguinte – continuou. “Hoje tem menos gente na cozinha…”

– Sei, e daí?

– O camarão até que está fresquinho… Chegou hoje.

– Sim, e daí? E daí?

– O problema é que o cara que descasca o camarão faltou ao serviço…

– E o que eu tenho a ver com isso? Ninguém mais pode descascar?

– Bem, doutor, é melhor o senhor pedir outra coisa…

Devido à fome e ao adiantado da hora, acabei pedindo.

Então me dei conta de que tinha acabado de chegar em Salvador. Aqui morei já duas vezes. Salvador seria a única cidade onde gostaria de morar novamente.

O IBGE já provou que o baiano trabalha tanto ou mais do que os paulistas, por exemplo. Juro que é verdade porque li uma notícia a respeito.

A diferença, e nesse caso em favor do baiano, é que ele é tão esperto que cultiva a imagem da preguiça para faturar mais e estressar menos. Sabedoria, meu irmão, sabedoria.

 

(Publicado aqui em 3 de março de 2005)

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