Inferno astral (por Mary Zaidan) 

Jair Bolsonaro completou 70 anos na sexta-feira, dia 21. Na contramão das crenças astrológicas que estabelecem os 30 dias antes do aniversário como os piores, o seu inferno astral está apenas começando. Nesta semana ele deve se tornar réu por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito – em bom português, golpe de Estado. Quem se der ao trabalho de ler a peça de acusação do procurador-geral da República, Paulo Gonet, verá que dificilmente o ex escapará da Justiça, a não ser por asilo ou fuga.

Gonet tem um método nas denúncias que faz sobre as tentativas de golpe, seja do grupo das 34 autoridades, entre as quais Bolsonaro e militares de alta patente foram indiciados, seja de participantes dos atos de 8 de janeiro de 2023. O PGR tece os fatos em evolução crescente, sem deixar fios desencapados.

Um exemplo: na denúncia contra Débora Rodrigues dos Santos – aquela que com batom pichou a estátua da Justiça com os dizeres “perdeu mané” -, ele destaca os vários momentos de participação da ré, estabelecendo o peso dos atos coletivo e individual. Em cada linha, ele deixa claro que tentativa de golpe não pode ser banalizada. Na denúncia dos 34, cujo aceite começa a ser analisado na terça-feira pela Primeira Turma do Supremo, Gonet encadeia ocorrências que começam em 2021 e vão ganhando dimensão e urgência com o tempo, o vislumbre da derrota eleitoral e, por fim, o revés nas urnas.

O processo de Débora, que começou a ser julgado no plenário virtual da Primeira Turma do STF na sexta-feira, talvez seja a única notícia boa para Bolsonaro na semana que começou com o fracasso da manifestação de Copacabana. Ali, a bala de prata que o ex imaginou para dar empuxo ao projeto de anistia para os condenados pelo 8 de janeiro encontrou a culatra. A pena de 14 anos de detenção em regime fechado que o ministro Alexandre de Moraes estipulou para Débora pode dar um novo gás aos que tentam livrar Bolsonaro usando as condenações longevas definidas pelo Supremo. A cabeleireira do batom deve virar estrela no ato da Avenida Paulista previsto para o dia 6 de abril.

Até então, mais de duas mil pessoas foram investigadas pela participação nos atos antidemocráticos na Praça dos Três Poderes. Destes, 527 fizeram acordo de persecução penal com o Ministério Público Federal e outros 480 foram julgados e condenados. A maioria está em liberdade, com tornozeleira eletrônica, e 225 colheram penas que variam de três a 17 anos de detenção. Há 120 foragidos.

Fuga, garante Bolsonaro, nunca esteve no horizonte. Mas, com o aperto do cerco, aumentam as apostas de que ele tentará escapar.

A hipótese ganhou materialidade depois da atabalhoada ação do filho Eduardo de renunciar ao mandato de deputado federal e anunciar que buscaria asilo político nos Estados Unidos de Donald Trump. Em um discurso patético, o Zero Três disse que estava “abdicando” do seu mandato, como se rei fosse, abrindo mão de remuneração, algo obrigatório em caso de licença por questões pessoais ou renúncia. Tudo sem qualquer motivo aparente. Ele não responde a processo algum no Brasil e teve o pedido de retenção de seu passaporte, feito por deputados de esquerda, negado pelo PGR e por Moraes. Além da paúra seguida de covardia, acredita-se que sua missão seja a de tentar salvar o papai.

Dois terços dos titulares da República estarão fora do país na terça-feira em que o processo de Bolsonaro e demais golpistas começa a ser analisado. Lula levou para o outro lado do mundo os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), além dos ex-presidentes das duas casas, deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador mineiro Rodrigo Pacheco (PSD). Quatro parlamentares de partidos de centro que saltaram da canoa furada do capitão, mas que o ex sonhava em atrair para a sua anistia casuística.

Pelo mapa traçado, a condenação de Bolsonaro está escrita nas estrelas.

 

Mary Zaidan é jornalista 

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