Alemanha: ex-terrorista capoeirista do Grupo Baader-Meinhof é julgada

Num dos prováveis últimos processos do gênero, Daniela Klette, que participava de rodas de capoeira em Berlim, é acusada de assaltos a carros-fortes e supermercados entre 1999 e 2016, já depois da dissolução da RAF.

É bem possível que o julgamento da alemã Daniela Klette, que começa nesta terça-feira (25/03) em Celle, na Baixa Saxônia, seja um dos últimos grandes processos judiciais envolvendo os antigos terroristas do grupo alemão Fração do Exército Vermelho (RAF), também conhecido como Grupo Baader-Meinhof.

O caso recebe grande atenção da mídia, como sempre ocorre quando se trata do grupo terrorista que alarmou a antiga Alemanha Ocidental, sobretudo entre meados da década de 1970 e início de 1980. De acordo com investigadores, ele seria responsável por mais de 30 assassinatos.

Klette é acusada de envolvimento num ataque a bomba a uma prisão de Hessen e no atentado contra a embaixada dos EUA em Bonn nas décadas de 1980 e 1990, entre outros atos. Porém tudo isso terá ainda que ser esclarecido mais tarde, num outro processo, já que os crimes cometidos durante os tempos da RAF não são objeto deste julgamento.

Junto com Ernst-Volker Staub e Burkhard Garweg, Klette, hoje com 66 anos, teria atacado carros-fortes e supermercados entre 1999 e 2016, principalmente no norte da Alemanha, razão pela qual o julgamento ocorre na Baixa Saxônia. Como houve disparos de tiros durante os assaltos, Klette também é acusada de tentativa de homicídio.

Ela foi detida em Berlim em fevereiro de 2024, depois de anos vivendo tranquilamente sob identidade falsa no bairro berlinense de Kreuzberg, onde participava da comunidade brasileira e frequentava rodas de capoeira, segundo a imprensa alemã. Staub e Garweg – assim como ela, membros da “terceira geração” da RAF – continuam foragidos.

Klette aparentemente se sentia segura em Berlim. Segundo relatos na imprensa alemã, ela pegou um voo para o Brasil com documentos falsos, fez contatos com a cena de capoeira local, e publicou fotos da viagem em sua página no Facebook.

A RAF anunciou sua dissolução em 1998, numa carta que as autoridades consideram autêntica. O total de 13 assaltos que Klette, Staub e Garweg são acusados de ter cometido depois disso, não tinham mais o propósito de financiar atos terroristas, mas aparentemente apenas de sustentar três velhos revolucionários. Eles teriam roubado mais de 2,7 milhões de euros.

O Outono Alemão

Mas, quando se trata da RAF, todo cuidado é pouco para os investigadores e a Justiça alemães. O julgamento deveria ocorrer na cidade de Verden, na Baixa Saxônia, mas o tribunal local não foi considerado suficientemente seguro. Por isso, uma antiga pista hípica na cidade está sendo adaptada para receber o processo. Até lá, o julgamento ocorrerá na cidade de Celle, também na Baixa Saxônia.

Isso lembra os tempos em que a RAF chocou a antiga Alemanha Ocidental, especialmente em 1977, durante o que ficou conhecido como o Outono Alemão. Na época, foi construído dentro da prisão de Stuttgart-Stammheim um tribunal, especialmente para o julgamento dos líderes do grupo, encarcerados lá.

Desde seus primórdios, no início da década de 1970, a RAF, que se autodefinia como uma guerrilha urbana comunista e anti-imperialista, visou representantes do Estado alemão e empresários. O grupo assassinou o procurador-geral da República Siegfried Buback e o chefe do Dresdner Bank, Jürgen Ponto. Ao todo, 27 membros da RAF foram condenados à prisão perpétua ao longo das décadas seguintes.

A luta do grupo contra o Estado alemão atingiu seu auge no terceiro trimestre de 1977, no que ficou conhecido como o Outono Alemão. A RAF sequestrouo presidente da Federação dos Empregadores Alemães e da Federação Alemã da Indústria, Hanns-Martin Schleyer, para forçar a libertação de membros seus presos.

Quando o governo alemão, liderado pelo chanceler federal Helmut Schmidt (SPD), se recusou a negociar, simpatizantes palestinos da RAF sequestraram um avião da Lufthansa com turistas alemães em Maiorca,  Espanha. Após passar pelo Oriente Médio, a aeronave finalmente pousou em Mogadixo, na Somália. Lá, uma unidade antiterrorista da polícia alemã resgatou todos os turistas.

Três dos quatro sequestradores foram mortos na ação. O piloto já havia sido assassinado pelos terroristas. Em consequência, suicidaram-se na prisão em Stuttgart três dos terroristas que eram acusados do sequestro de Schleyer.

Depois de seis semanas de martírio em poder dos sequestradores, Schleyer foi levado do esconderijo em Bruxelas para a França, onde o deixaram sair caminhando num campo, dando-lhe a impressão de liberdade, para logo depois matarem-no a tiros pelas costas. Seu corpo foi encontrado no dia 19 de outubro de 1977, no porta-malas de um carro, em território francês, perto da Alemanha.

Simpatia na extrema esquerda

O Estado alemão venceu a luta contra a RAF, que continuou atuando, mas nunca mais recuperou sua antiga força. Ao longo da década de 1970, muitos jovens alemães-ocidentais simpatizaram com o grupo, de forma aberta ou velada, na sua declarada “luta contra o imperialismo americano”.

Ao mesmo tempo, sobretudo a mídia criou um cenário de ameaça pública por parte do grupo, que provavelmente nunca existiu. Ao longo de toda sua existência, o núcleo de membros ativos da RAF não incluiu mais do que 80 indivíduos.

Klette parece nunca ter renunciado aos ideais da RAF e à luta revolucionária. Não se espera que faça alguma declaração ou confissão de culpa por ocasião do julgamento. Pouco antes de ser detida, ainda conseguiu alertar seus antigos companheiros Garweg e Staub, que continuam foragidos.

A polícia acredita que eles encontrem apoio na cena de extrema esquerda da Alemanha, na qual continua existindo muito simpatia pela RAF. Os membros sobreviventes do grupo são tratados como mitos por extremistas de esquerda. Houve diversas pequenas manifestações em frente à prisão onde Klette está detida há mais de um ano, na Baixa Saxônia, assim como em Berlim.

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