PARÁ – Estrada bloqueada por indígenas, tiros de caminhoneiros e tensão

A rodovia BR-230, conhecida como Transamazônica, que corta o coração do sudoeste do Pará, transformou-se em um barril de pólvora prestes a explodir. Pelo quarto dia consecutivo, indígenas da etnia Munduruku bloqueiam o km 1104 da estrada, em Itaituba, em um protesto contra a Lei 14.701/2023, que regulamenta o Marco Temporal e, segundo eles, ameaça seus direitos territoriais.

Mas o que era para ser uma manifestação pacífica virou palco de violência, com ataques de caminhoneiros que, na noite de quinta-feira (27) e na manhã desta sexta (28), dispararam contra os manifestantes e furaram o bloqueio, destruindo equipamentos de abrigo e alimentação. O clima é de extrema tensão, e há um risco real de radicalização de ambos os lados, com consequências imprevisíveis.

Os Munduruku iniciaram o protesto na madrugada de terça-feira (25), exigindo a revogação da Lei 14.701/2023, que determina que os povos indígenas só têm direito às terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. A legislação também é criticada por fragilizar o direito de consulta prévia às comunidades, abrindo brechas para atividades como a mineração em territórios indígenas.

A BR-230, que nesse trecho se sobrepõe à BR-163, é uma das principais vias de escoamento do agronegócio na Amazônia, e o bloqueio já gerou filas de até 15 quilômetros, segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF). As fortes chuvas na região tornam qualquer rota alternativa inviável, aumentando a frustração dos motoristas.

A situação, que já era delicada, escalou para um nível alarmante na noite de quinta-feira. Após a PRF liberar a pista às 18h e deixar o local, os indígenas permaneceram acampados às margens da rodovia, com mulheres, gestantes, idosos e crianças entre os manifestantes. Às 20h, um caminhoneiro disparou três tiros contra o acampamento.

Uma hora depois, às 21h, outro motorista efetuou mais um disparo. Não houve feridos, mas o terror se instalou. “O protesto é pacífico, mas estamos sendo ameaçados e agredidos sem que as forças de segurança intervenham”, denunciou um representante dos Munduruku ao Ministério Público Federal (MPF), que acompanha o caso de perto.

Pavio curto e confronto

Na manhã desta sexta-feira, às 6h, os indígenas voltaram a interditar a pista, mas a resposta dos caminhoneiros foi ainda mais agressiva. Veículos avançaram sobre as barricadas, destruindo parte dos equipamentos usados para alimentação e abrigo. Um dos motoristas chegou a fazer uma manobra perigosa, direcionando o caminhão contra os manifestantes e a imprensa que cobria o movimento, em um claro gesto de intimidação.

A PRF foi acionada novamente, mas a ausência de uma resposta firme das autoridades – a Secretaria de Segurança Pública do Pará (Segup) ainda não se pronunciou sobre a abertura de investigações – só aumenta o sentimento de impunidade e o risco de novos confrontos.

O MPF, que recorreu nesta sexta-feira contra uma decisão judicial que determinou a reintegração de posse da BR-230, alerta para o perigo de uma escalada ainda maior. A instituição argumenta que a ordem judicial ignora a necessidade de um “diálogo interétnico e intercultural”, como previsto em resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e teme que a autorização para o uso de força policial, mesmo que contida, resulte em repressão e violência contra os indígenas. O MPF está em contato permanente com a PRF, cobrando medidas para evitar mais agressões, mas a situação no local permanece volátil.

Do outro lado, os caminhoneiros, muitos dos quais transportam cargas perecíveis como soja e milho para os portos de Miritituba e Santarém, mostram sinais de crescente exasperação. A BR-230 é vital para a economia da região, e o bloqueio prolongado já causa prejuízos significativos. Relatos de motoristas que enfrentam falta de água e comida nas filas intermináveis, como já ocorreu em protestos anteriores na mesma rodovia, alimentam a revolta.

A violência dos ataques – disparos e manobras perigosas – indica que alguns estão dispostos a usar a força para abrir caminho, o que pode levar a uma radicalização ainda mais perigosa.

Urgência de mediação

Os indígenas, por sua vez, também não mostram sinais de recuo. “Vamos continuar aqui até que nossas demandas sejam ouvidas”, afirmou uma liderança Munduruku, reforçando que o protesto é uma luta por direitos constitucionais. A memória de ataques passados, como os registrados em 2021, quando garimpeiros incendiaram casas de lideranças Munduruku em Jacareacanga, está viva, e a falta de proteção efetiva das autoridades só aumenta a desconfiança e a determinação do grupo.

A presença de crianças e idosos no acampamento, somada às agressões sofridas, pode levar a uma postura mais defensiva e combativa, elevando o risco de um confronto direto.

A BR-230, que atravessa toda a região sudoeste do Pará, já foi palco de conflitos históricos entre indígenas, garimpeiros e outros atores econômicos, mas o cenário atual é particularmente preocupante. De um lado, caminhoneiros pressionados por prazos e prejuízos; do outro, indígenas que lutam por sua sobrevivência cultural e territorial.

Sem uma mediação urgente e eficaz, que priorize o diálogo e a segurança de todos os envolvidos, a rodovia pode se tornar o epicentro de uma tragédia. O sudoeste do Pará clama por uma solução que evite o pior, mas, por enquanto, a tensão só aumenta – e o próximo ataque pode não terminar sem vítimas.

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