População de rua chega à Faria Lima e escancara desigualdade em SP

São Paulo – Um cenário paradoxal ilustra a atual situação da famosa Avenida Brigadeiro Faria Lima: em meio a arranha-céus que formam o maior centro financeiro do Brasil, há também milhares de pessoas em situação de rua. Localizada no bairro Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, a via pode ser considerada um retrato da desigualdade social do país.

Quem passa pela avenida não demora pra ver famílias acampadas. Entre homens em bandos, idosos e até famílias com crianças, o quadro é de pobreza e insegurança. Enquanto operadores do mercado financeiro, advogados e outros frequentadores do chamado “condado” adentram edifícios luxuosos, pessoas em situação de vulnerabilidade social vivem nas calçadas, sob sol ou chuva.

Grande parte desse público se concentra na região do Largo da Batata, próximo às entradas da estação Faria Lima da Linha 4 – Amarela do metrô. O local é cercado por bares, restaurantes e pequenos comércios. Policiais militares fazem patrulhamento diário no entorno e um posto da corporação foi implantado recentemente, mas ainda não foi ativado.

Quem faz das calçadas da Faria Lima um espaço improvisado para viver tem de enfrentar muitos obstáculos, como condições climáticas extremas, brigas, preconceito e falta de proteção, além da circulação e consumo de drogas.

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A desigualdade social fica escancara na Faria Lima

Sem um lar, as pessoas em situação de rua montam barracas
Muitos indivíduos em vulnerabilidade social ficam perto das entradas da estação Faria Lima da Linha 4 - Amarela do metrô
Quem faz das calçadas da Faria Lima um espaço improvisado para viver tem de enfrentar vários obstáculos
A Avenida Faria Lima é conhecida por ser o maior centro financeiro do país
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Jocilene e Ronaldo estão em situação de rua há cinco anos

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A desigualdade social fica escancara na Faria Lima

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Sem um lar, as pessoas em situação de rua montam barracas

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Muitos indivíduos em vulnerabilidade social ficam perto das entradas da estação Faria Lima da Linha 4 – Amarela do metrô

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Quem faz das calçadas da Faria Lima um espaço improvisado para viver tem de enfrentar vários obstáculos

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A Avenida Faria Lima é conhecida por ser o maior centro financeiro do país

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Movimentação na Avenida Brigadeiro Faria Lima, na zona oeste de São Paulo

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Há um mês, Maurício, de 26 anos, viu a família se mudar de Embu das Artes, na região metropolitana paulista, para Minas Gerais, mas a condição financeira o impediu de acompanhá-los. Por conta disso, está sem casa pela primeira vez na vida.

“Não é fácil. Para dormir, é desconfortável. Quando chove, temos que nos proteger. Tem briga, alguém ameaça ‘tacar’ fogo em nós. Quando estamos seguros, dormimos aqui. Quando não estamos, nos mudamos”, diz ao Metrópoles.

Segundo Maurício, o governo até oferece auxílio, “mas não ajuda com o que a gente precisa, que é dar uma oportunidade de mudar de vida”. Ele conta que já ficou internado em uma unidade do Centro de Atenção Psicossocial (Caps).

Restaurantes doam comida

Para se alimentar, tem a ajuda de um amigo para pedir comida em restaurantes, porque ainda sente vergonha da condição. Igor, de 28 anos, é quem divide o espaço com Maurício e o orienta nas ocasiões mais difíceis.

O catador de materiais recicláveis falou à reportagem que saiu há pouco tempo da cadeia. “Não tinha casa, não tinha nada, então isso aqui foi o meu lar.” Segundo ele, o principal problema enfrentado na rua são as brigas. “Tem muito ‘perreco’”, lamenta. Igor também alega que as marmitas entregues pela prefeitura são apenas “para fazer média”.

Daniel, de 39 anos, vive há oito meses na rua e não costuma se fixar em apenas um lugar: “Eu ando muito”. Dentre todos os problemas, ele destaca o preconceito. “A gente é invisível, na verdade. Ninguém dá muito apoio”, diz. Os materiais recicláveis também são o sustento, porque “falta emprego, oportunidade”, reclama.

Viver na rua está longe de ser novidade para Jocilene, de 40 anos, e Ronaldo, de 42, que estão nessa situação há cinco anos. Mesmo recebendo o Bolsa Família, o casal não consegue manter uma moradia regular e escolheu ficar na Faria Lima depois de um longo período na região do Ceasa, a 10 quilômetros do Largo.

“Aqui é mais suave, tem menos ‘noias’. Lá o clima é pesado”, avalia Ronaldo. “Lá tem muitos usuários de droga, [eles] usam do seu lado, muita confusão”, completa Jocilene. Diariamente, eles vão até o Núcleo de Convivência para Adultos em Situação de Rua, administrado pela Prefeitura de São Paulo, para fazer higiene pessoal e refeições.

O casal se preocupa em manter a limpeza da praça onde dorme. “Nós varremos a praça, deixamos tudo limpo, para não vir inseto, não vir rato”, afirma Ronaldo. Apesar do esforço, o local sofre com sujeira e está infestado pelos roedores, como já mostrou o Metrópoles.

Convivência harmônica

Vez ou outra, alguns frequentadores da avenida também ajudam as pessoas vulneráveis. Hiago Pires, de 28 anos, foi visto pela reportagem entregando uma pequena marmita para um homem na calçada. Morador de Alphaville, em Barueri, na região metropolitana, ele trabalha em um dos imponentes prédios empresariais que compõem a Faria Lima.

“A questão dos moradores de rua é um problema. Não afeta a gente em questão de roubos, mas olhar é bem trágico”, reflete Igor. Ele observa que há muitas famílias, sobretudo crianças, que ficam expostas no local. “Acho que ONGs, a prefeitura ou o Estado têm que prestar mais atenção nessas pessoas.”

Toda quinta-feira, as amigas Isabel Cristina Phaldini, de 72 anos, Conceição Aparecida Cabrini, de 71, e Luiza Watanabe, de 69, se encontram no Largo da Batata para distribuir flores de papel. “É uma forma de abordar as pessoas e puxar um assunto que nos interessa. Sempre a pauta muda, dependendo da questão”, explica Isabel. Ela integram o Coletivo Flores pela Democracia.

Sobre as pessoas em situação de rua que ali vivem, as mulheres consideram que a convivência sempre foi harmônica. “Nós nunca nos sentimos ameaçadas aqui, nunca teve uma agressão”, garante Isabel.

“[Há] uns dois anos, [as autoridades] colocaram um ônibus que dizia que era para atender os moradores de rua, mas a gente tinha certeza que era para afastá-los. E a gente nunca soube o destino dado a esses moradores de rua”, acrescenta.

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Boa parte das pessoas em situação de rua ficam no Largo da Batata

Policiais militares fazem patrulhamento diário no entorno e um posto da corporação foi implantado recentemente, mas ainda não foi ativado
Segundo o OBPopRua, a cidade de São Paulo registrou 93.355 pessoas vivendo na rua em janeiro de 2025
A Prefeitura de São Paulo disse que “a cidade tem a maior rede socioassistencial da América Latina”
A Faria Lima fica em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo
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Coletivo Flores pela Democracia

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Boa parte das pessoas em situação de rua ficam no Largo da Batata

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Policiais militares fazem patrulhamento diário no entorno e um posto da corporação foi implantado recentemente, mas ainda não foi ativado

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Segundo o OBPopRua, a cidade de São Paulo registrou 93.355 pessoas vivendo na rua em janeiro de 2025

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A Prefeitura de São Paulo disse que “a cidade tem a maior rede socioassistencial da América Latina”

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A Faria Lima fica em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo

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Dados sobre a população de rua

Apesar de paulistanos e moradores radicados na capital paulista perceberem no dia a dia um aumento significativo da população de rua, os dados oficiais da Prefeitura de São Paulo estão desatualizados. Segundo a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), o último Censo da População em Situação de Rua, realizado em 2021 e publicado em 2022, estimou 31.884 moradores de rua na cidade de São Paulo.

Do total, 70,8% englobam pessoas pardas e pretas. Além disso, 83,4% são homens. Em relação aos pontos de estadia, a maioria da população de rua fica em calçadas (60,1%), embaixo de viadutos (11,5%) e praças (11,2%).

Conforme o Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (OBPopRua), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a partir da base do Cadastro Único (CadÚnico), a cidade de São Paulo registrou 93.355 pessoas vivendo na rua em janeiro de 2025. O número corresponde a 66% do total registrado no estado, com 139.799 pessoas.

O que diz a prefeitura

Procurada pelo Metrópoles, a Prefeitura de São Paulo disse que “a cidade tem a maior rede socioassistencial da América Latina”. De acordo com o governo, são mais de 26 mil vagas, distribuídas em 384 serviços de acolhimento, como hotéis sociais, centros de acolhida e Vilas Reencontro.

A prefeitura também informou que as ações de assistência social, direitos humanos e segurança alimentar têm crescido ano a ano. Foram R$ 2 bilhões em 2022, R$ 2,7 bilhões em 2023 e R$ 3 bilhões em 2024.

“Em toda a cidade, são cerca de 1.600 agentes da saúde e da assistência social que realizam abordagens diárias e encaminhamento para as mais diversas alternativas de acolhimento social e tratamentos de saúde. Quando necessário, as equipes oferecem ainda a emissão e regularização de documentos. As pessoas em situação de rua podem acessar também 16 Núcleos de Convivência, com mais de 4.402 vagas”, detalhou, em nota.

Em relação à alimentação, a prefeitura destacou a Rede Cozinha Escola, da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), que distribui 400 refeições prontas diariamente em cada um dos 65 locais de distribuição espalhados pela cidade. Além disso, a Rede Cozinha Cidadã entrega todo dia 15.600 marmitas, compradas de 78 restaurantes, que são entregues em 44 pontos da capital.

O governo também apontou que a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) possui 40 equipes do Consultório na Rua (CnR), das quais seis são do Programa Redenção, para realizar abordagens às pessoas em situação de rua e oferecer acompanhamento de saúde. Desde abril de 2020, foram realizadas cerca de 1,1 milhão de abordagens e mais de 265 mil consultas médicas.

Já o Programa Operação Trabalho (POT) é voltado à população em vulnerabilidade social, com o objetivo de estimular a busca de ocupação, bem como a reinserção no mercado de trabalho, por meio da oferta de qualificação profissional.

“Atualmente, são 14,9 mil beneficiários, distribuídos em 16 projetos, que contam com uma bolsa que varia entre R$ 1.062,54  (20 horas semanais, quatro horas diárias) e R$ 1.593,90 (30 horas semanais, seis horas por dia). Entre as ocupações em frentes de trabalho, estão zeladoria, manutenção e apoio administrativo, ações de busca ativa na rede municipal de ensino, entre outros”, acrescentou a prefeitura.

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