Engolindo lagoas

Caro(a) leitor(a),

Ganhei de presente um livro maravilhoso de Clarice Lispector, Correio para Mulheres. Como não amar Clarice? Uma mulher que dispensa apresentações! O livro reúne textos dos tempos em que ela era ghostwriter em jornais, dando dicas para “mulherzinhas”, conselhos sobre elegância, boa aparência, e até sugestões de como lidar com baratas e ratos. Eram tempos em que “faceirice” era quase uma obrigação feminina. Que desconforto! Calma, não se assuste — esse não é um papo feminista.

Começo esclarecendo que sou da década de 70, muitas dessas dicas se aplicaram à minha educação, embora tenha tido a bênção de pais mais liberais que sempre me apoiaram. Mas sim, aprendi a bordar, costurar, cozinhar, crochê, fazer bolos e por aí vai. Mas lendo Clarice, ahhh lendo Clarice foi inevitável não pensar em uma frase que cresci ouvindo, um “sábio” conselho: “Aprenda a engolir a lagoa que os sapos descem fácil”. Em outras palavras, o famoso conselho para ouvir calado (a), suportar situações difíceis e evitar confrontos.

Passei dias pensando no impacto prático desse conselho. Será que ele fazia parte da educação das mulheres da minha geração, ensinadas a seguir cartilhas do bom comportamento? Sim, em muitos momentos, engolir sapos salvou minha pele. Em outros, me enlouqueceu e adoeceu. Como pode? Pode, porque, como diz a maravilhosa psiquiatra Ana Beatriz Barbosa, quem não engole sapo não vive o social. Sim, existem sapos que temos que engolir, a grande sacada da vida está em limitar a quantidade, saber a medida.

Então, e aí que a lagoa passa a fazer todo sentido! Quanto mais água, melhor, os sapos “descem” mais fácil pela garganta. Engolir sapos em excesso, especialmente para quem tem uma personalidade contida, pode causar estresse, culpa, raiva, medo, depressão e isolamento. Parece até bula de remédio, não é? Mas explodir agressivamente também faz mal. A chave é encontrar o equilíbrio.

O problema é que os sapos muitas vezes habitam nossos lares, trabalhos e relacionamentos. Na vida profissional, principalmente em cargos de maior hierarquia, lidar com a dificuldade de ouvir “nãos” e administrar egos pode ser ainda mais desafiador.

No âmbito pessoal então é algo muito mais complexo, engolir sapos nos relacionamentos é tão difícil quanto navegar em águas turbulentas sem perder a rota. Nem sempre o que ouvimos ou vivenciamos reflete o que acreditamos ser justo ou ideal, mas aprender a lidar com esses momentos é fundamental para manter a conexão e o equilíbrio. Afinal, ceder em situações desafiadoras, desde que com respeito e limites claros, pode ser o segredo para atravessar tempestades e voltar a mares mais tranquilos.

coração engolindo gavetas

Coração não é gaveta- Foto: Getty Images/iStockphoto/ND

Mas uma coisa é certa, independente da situação, cada vez que você se cala, o falatório interno começa. Guardamos no coração aquilo que não conseguimos digerir, acumulando ressentimentos que, cedo ou tarde, pesam.

E é aí caro (a) leitor (a), que de forma simples e singela, resumo meu aprendizado dos litros e litros de lagoas que engoli na vida: coração não é gaveta. E se você engolir tudo que sente, no final VOCÊ SE ENGASGA!

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