Mudança climática, o barato que sai caro (por Felipe Sampaio)

Em alguns assuntos, só tomamos providências quando dói no bolso. Um bom exemplo disso são as mudanças climáticas. Porém, nesse caso, não basta doer no bolso de qualquer um. Também não é qualquer dorzinha que faz tocar o alarme. Em se tratando de aquecimento global, ainda vai ter que doer muito no bolso dos mais ricos, até que se faça algo decisivo a respeito.

Os extremos climáticos – cada vez mais intensos e frequentes – já não deixam dúvidas de que alguma coisa está fora da ordem na natureza. Desarrumar é sempre mais fácil (ou lucrativo…) do que organizar. E, depois de faturar alto passando boiadas, ninguém quer gastar a grana que ganhou para consertar os conhecidos danos colaterais.

Nesse cenário, a impressão que o noticiário nos passa é que os desastres climáticos são apenas episódios meteorológicos ocasionais e localizados. Nos telejornais, a moça do tempo continua anunciando onde vai chover, ventar, esfriar ou estiar como se fossem ocorrências corriqueiras desconectadas.

Desse modo, qualquer abordagem ambiental mais profunda segue confortavelmente tratada como pauta ideológica, papo de esquerdista. Enquanto as enchentes forem mostradas como algo que só atinge os barracos irregulares e as únicas vítimas de secas retratadas forem as vacas magras do sertão nordestino, a conta seguirá sendo paga pelos pobres (e pelo governo).

A má notícia (ou, no caso, seria boa?) é que o bolso dos mais ricos também já começa a sentir o aquecimento global, o que pode desencadear – antes tarde do que nunca – uma série de iniciativas preventivas, corretivas e adaptações. Comenta-se no mercado que as empresas de seguros mundo afora tiveram custos, em 2024, de US$300 bilhões, apenas com chuvas intensas. No Brasil, as chuvas do Rio Grande do Sul custaram R$ 6 bilhões às seguradoras. Nos EUA, em 2024 os furacões Helene e Milton deixaram no seu rastro um prejuízo de US$100 bilhões.

Os números sobre esses prejuízos climáticos ainda variam conforme os modelos matemáticos adotados. Durante a Conferência Amazônia e Novas Economias (IBRAM, 2024), falou-se que as perdas mundiais com as mudanças climáticas em 2023 podem ter alcançado quase US$400 bilhões e que apenas um terço desse montante estava de fato coberto por seguros (quem pagou a conta dos dois terços restantes?).

Nesse cenário de incertezas, China, EUA, Índia, Rússia e Japão aparecem como os maiores emissores atuais de CO2, com a emissão per capita dos EUA sendo o dobro da chinesa (Climate Watch / WRI). Por outro lado, os mais afetados atualmente são a Somália, Síria, Congo, Afeganistão, Sudão, Etiópia… Quem banca o prejuízo nesses casos?

A ONU estima que, por enquanto, a adaptação aos efeitos climáticos exigirá US$367 bilhões/ano. Por sua vez, a revista Nature alerta que o PIB global deve sofrer um corte de até US$ 35 trilhões até 2050. Ou seja, redução de 20% do PIB, em função de secas, calor, tempestades e aumento do nível do mar, com efeitos sobre a agricultura, infraestrutura, turismo, transportes, comunicações, moradia, sistemas de defesa e segurança pública.

Apesar da complexidade das variáveis e das equações, uma conta já é certa: crescimento econômico e aquecimento global caminham na mesma direção, seja qual for a metodologia científica de cálculo do “custo carbono”. Preocupante é que as providências, quando forem tomadas, terão efeitos no longo prazo, enquanto a dinâmica devastadora do lucro e do consumo tem impactos no curto prazo.

 

Felipe Sampaio: cofundador do Centro Soberania e Clima; atuou em grandes empresas e no terceiro setor; chefiou a assessoria especial do ministro da Defesa; dirigiu o sistema de estatísticas no ministério da Justiça (SINESP); foi secretário-executivo de Segurança Urbana do Recife; é chefe de gabinete da secretaria-executiva no Ministério do Empreendedorismo.

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